terça-feira, dezembro 18, 2007


Carrasco (prece)

Não consintas que eu seja
Carrasco que te sangra,
Que te minta para te ganhar e perder,
Que te aplauda ,
Que te aprecie no agora e no depois,
Que te lembre a ilusão e a glória,
A verdade,
Que te rogue preces, pregões, pragas e insensatez.


Faz-me sentir que a força é fraca e beijo conforta.

segunda-feira, dezembro 17, 2007


Estrelas (sem rasto)

Assombradas por mais um dia,
Cruzando dias de confissões incompletas
Desfalecem estrelas incautas nas altas fragas escarpadas da cidade
Perdidas do céu profundo da noite que se acomoda,
Sós, sem rasto.

quinta-feira, novembro 15, 2007


Desconsolo

Talvez nunca mais

O teu olhar fugitivo perderá passos no meu alcance,

Deixará destroços no meu porto

Onde nada existia e tudo acontecia,

Na sombra mascarada dos desejos ocultos,

Mergulhados nos baixios que ninguém conhece.


Talvez, outra vez,

Nos diluamos no desconsolo e na solidão

Como margens abandonadas sem brilho

Esperando consolo e absolvição.


O canto do muezim

No mais puro encantamento,

Nem o silêncio quebra o despertar do horizonte

Ressoando nos pensamentos adormecidos

Dos mundos que se abrem todos os dias

E se fecham, incógnitos,

Indiferentes e insuspeitos ao dançar das sombras.

É da paz, a virtude de se poder amar as coisas divinas,

E do crepúsculo, o renascer do impulso de mais querer,

Sentir as palavras suspiradas pelo acordar da cidade,

Quase imperceptíveis, quase irremediavelmente distantes.

Só os pássaros ousam rasgar os restos da madrugada,

Como se nada fosse senão o mais belo dia que se respirou,

Mesmo que de olhos e alma descansando,

Escondidos de si e da sinuosa tarefa de inventar palavras e línguas,

Que se justifiquem descrevendo o agora.

E por outra vez,

Antes do irromper do rumor das ruas,

Ouve-se no mais simples vocalizo,

O calmo renascer da consciência do mundo.

terça-feira, outubro 23, 2007


Disseste que não anoitecia sem nós

Disseste enquanto não te ouvia,
Perdido nas coisas que pressentia e esquecia,
Seguindo o rumo das folhas empurradas pelo vento,
Caindo da secretária, procurando caminhos pela casa.
A janela aberta dizia que o dia fugia, mas tu não,
A cidade só adormecia depois,
Depois de nós
Lançarmos suspiros por três meios e meio de pé direito até lá fora,
Soltando-se de um abraço que anoitece e dilui-se
Nas luzes que tremem sobre a água.

quinta-feira, setembro 20, 2007


Fina corda

Flutua no arrepio da porta entreaberta,
Um grito rouco e velado
Que se cala para não se ouvir,
Sustido nas bocas límpidas
Que se tocam devagar e com firmeza,
Dedilhando uma fina corda
Ténue, invisível, insinuante.

São pássaros da solidão,
Fumando deitados,
Com memórias dispersas afundando-se
Com os pés descalços sobre pele macia,
Alongando um fim de tarde pontuado por ciprestes.

quarta-feira, setembro 12, 2007


Corpos ávidos

O espanto da cidade desfaz-se,
Lá no alto,
Num imenso e leviano desperdiçar
da luz da tarde.

Nós, rindo
Do coração batendo, a cada passo
Do corpo tomado pelo perfume
Ávido do poente, imperceptível,
Quebrando como ondas na muralha,
Em silêncio, exaltante,
Gemendo baixinho,
Escondido do vento,
Adormecendo longe do mundo.


Punição

Tal como eu sabia,
A última árvore rendeu-se ontem,
Desfeita em ínfimos pedaços,
Vozes desaparecendo num enorme marulhar pela cidade fora,
Saltando e dançando ao acaso, sobre o asfalto,
Sobre o ombro, o pressentimento.

Tal como disseste,
Procurei, em vão, sombras naquela avenida,
Na nudez do passeio vazio e sujo,
Interminável, definhando ao sol,
Os olhos cedendo a um ardor afinal sombrio,
Entre pó e vozes apressadas,
E o chão árido escondendo o trânsito submerso no túnel.

A cidade condena,
Talvez sem suspeita,
Quando nos desperta e nos queima.





“Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa”
in “Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo”
de Sophia de Melo Breyner

quinta-feira, setembro 06, 2007


Noite desmedida

Sem perder de vista o mar,
Outra noite desmedida
Cresceu com ímpeto da tempestade,
Indiferente ao cansaço,
Ao cheiro dos versos escritos a álcool.

Passeavam vagarosamente pelas ruas, cansados,
Indiferentes ao negrume das árvores velhas,
Os pés alisando o asfalto em tumulto, arrefecido,
Tremendo, os corpos com falta de outros corpos,
Sem sítio perto ou distante,
Sem tempo e com pressa de adormecer.

Outra noite e a cidade crescia para longe.



“(…) ser-se o mesmo sempre e ser surpreendente
de estar num sítio tanto mais se mais ausente
e mais ausente estar se mais presente
de mais perto se estar se mais distante
de sentir mais o frio em tempo quente (…)”
"To Helena", Nau dos Corvos, Transporte no Tempo,
in Obra Poética vol2
de Ruy Belo

quarta-feira, setembro 05, 2007



Estrada (à procura do fim)

O Outono nos teus lábios esmorece,
Deixa um rasto de cada momento
Em todas as estradas que prometemos abandonar,
Fugidos da luz enegrecida do fim.

Encontrámo-nos neste lugar ínfimo,
Morrendo no mesmo instante
Profundo,
Em furtiva descida à escuridão dos medos,
Quando os olhos se fecham,
Sabendo que por pouco tempo.

Caímos entristecidos.


“(…) a tua morte tem avançado para dentro de mim como uma doença a querer progredir.(…)“
José Luís Peixoto in Nenhum Olhar.

Náufrago

Lá fora é outra cidade,
Indiferente, triste,
Deixando-se observar,
Gasta, a medo amanhecendo,
Afundando-se sem brilho na água escura do cais,
Esquecendo o compasso das marés partidas
Que só a minha janela fechada deixa ver.

Lá fora
É uma e outra vontade que desiste,
Como eu,
Principiando a desaparecer,
Adormecendo, vagueando
Como um nómada,
Na minha casa,
Sem destino e sem caminho,
Perdido.


“(…)eu acreditei no fogo e no silêncio que, de manhã lavam os corpos, tornando-os de novo navegáveis(…)”
Al Berto in “Roulottes da noite de Lisboa”

terça-feira, setembro 04, 2007

Torrente

A multidão desagua em todas as esquinas,
Devora o silêncio com sofreguidão,
Com ímpeto esmagador
De tempestade impiedosa,
Afasta-me da superfície
Uma e outra vez,
Sem surpresas ou descuidos,
Afinal.

A torrente passa longe,
Mas ouve-se aqui.

quinta-feira, agosto 23, 2007


Refúgio

Vive em ti outro ano mais quente que antes
Refúgio infinito do sul interminável
O encanto de sonhar para diante
A rendição ansiosa ao perfume que nos liga e nos quebra.

Permanece em ti o esconderijo
Do vento que há muito não desfralda bandeiras
Da folhagem solta no descanso
Do bramido das vozes que povoam o horizonte,
Rugindo intemporais.

Procuro em ti
A serena frescura das manhãs marítimas
Os sombrios recantos dos poemas sem sono
Onde não se dorme sem sonhar.

A terra e o céu calam-se e riem em ti.
Vejer de La Frontera - Espanha

“(...)Atravessei o jardim solitário e sem lua,
Correndo ao vento pelos caminhos fora,
Para tentar como outrora
Unir a minha alma à tua (...).
In “O jardim e a noite”
Sophia de Mello Breyner Andresen, “Cem poemas de Sophia”

terça-feira, agosto 21, 2007


Escuridão do quarto

Escondes-te de forma a que te veja,
Na camuflagem das flores nocturnas,
Com as cambiantes da luz reflectindo no lado esquerdo da parede,
Assomando à janela, com o ruído das estrelas
E dos amantes perdendo-se,
Sem olhar ao tempo que pára e acaba naqueles momentos.

Continuo acordado,
Alheio à tua interferência na cadência do universo,
Reacendendo feridas,
Indiferente aos rasgos na pele às entranhas,
Que se abrem em ferro quente,
O sangue em fios, enforcando-me,
A asfixia, o prazer de poder acabar agora mesmo,
Contigo.

Ainda te procuro no sono que volta e desaparece.
Naufragando no mundo que nos pertence e nos atormenta,
Perdido, seguindo o último cigarro que se apaga,
Testemunhando o fim dos medos,
Das imagens que devoro e apago,
Na dormência que chamo para me anestesiar.

Talvez sejas tu,
O desejo que procuro na escuridão intacta do quarto.


“Quantos desejos ficaram abandonados na escuridão intacta dos quartos...”
In “A Morte de Rimbaud” de Al Berto.

sábado, agosto 18, 2007


Disseste em belo português


Disseste em belo português,
Curto e simples,
Palavras de carne e osso,
Tacteando até encontrar um olhar.

Viajámos para trás,
Resolvemos os mistérios
Das formas fílmicas do adeus,
Entorpecidas, arrebatadas
Presas à liberdade da imaginação.

Rompe-se uma fina camada de cal,
Inocente,
O tumulto do medo ao querer
Um pouco de ti em tudo o mais.

Disseste, nada mais do que isso.

terça-feira, julho 31, 2007


Ainda não me rendi

Todas as dúvidas acordam pontuais,
Às meias horas nocturnas,
Deslizando em gotas perfeitas de suor,
Decorando a ponta dos dedos,
Ao som da música incessante dos sonhos.

Ainda não me rendi,
Não parei de lutar, nem de falar
De punhos cerrados e sorriso aberto,
Decifrando olhos semi cerrados,
Corações disfarçados de gente.

Mais um movimento certeiro
E mais um fio de sangue,
Traçando na cara as linhas das minhas certezas,
Marcando os passos incertos dos meus ideais,
Moldando a feições das palavras.

Ainda assim, não me rendi.

segunda-feira, julho 30, 2007


O dia mais quente do ano

O dia mais quente do ano
Começava em sufocos de calendário
Há mais luas do que aquelas que nós víamos
Á medida que o amor arrefecia
Enquanto a amizade se pintava de matizes desconhecidas.

Naquele dia,
A esplanada estava vazia
E o passeio escaldava-nos as pernas,
Espreitando a sombra das escadas,
Descobertas,
Em preto mediterrânico e gelado de morango
Cruzadas a 45 graus,
Aquecendo os risos impacientes.

A brisa perdera-se nas esquinas da calçada,
E não eram ainda nem onze horas,
Nem tempo de fugirmos ao estio,
Apenas aos braços um do outro,
Reanimando o que nós insiste em não morrer.

Dizia-se ser o dia mais quente do ano,
Mas naquele mármore fresco do pátio,
Borbulhava o sangue e os lábios.
Atenas - Grécia

sexta-feira, julho 20, 2007


Castigo

O mundo trespassado pelo tempo,
O ódio e o amor flutuando no movimento dos passos,
Dizendo, devagar, o que acontece muito depressa,
Nos ínfimos segundos de atenção
Esquecidos,
Seguindo o norte,
Procurando os cantos à esfera das palavras,
Misturadas na terra que se levanta
E se inunda na falta de chuva e cor,
Esperando o castigo de nada se esperar,
De tudo acontecer.




“(...)Ninguém disse nada. Fomos dormir. Essa noite foi como as noites de muitos meses que se seguiram. Havia um peso fundo dentro de nós a puxar-nos para o nosso interior mais negro(...)”
In “Cemitério de Pianos” de José Luis Peixoto.

segunda-feira, julho 16, 2007


Uns segundos na marginal


A longínqua lucidez das sombras
No clamor da noite, cresce
Adiada, sumida, perdida
Pela transparência das luzes ténues
Tremendo até à infíma dispersão
Como astros viajantes
Crisálidas suspirando entre metamorfoses
Descobrindo a espessura das cores e dos sonhos
Percorrendo pomares de perfume tropical
Num caminhar de bossa nova.

Agosto é já amanhã,
Na marginal.

sexta-feira, julho 13, 2007


Travessia

A travessia perde-se nas correntes e vagas,
Nos equívocos dos ventos e sopros em sal marinho
Cruzam-se os nós, os laços,
Os beijos firmemente seguros
Desprendidos, soltos, submersos
Voando sobre o imenso azul,
Precipitando-se nas profudenzas das palavras,
Purificando imperfeições,
Escrevendo o futuro nas auroras que despontam,
Que derramam a luz sobre a pele,
Emudecem o mundo...

quinta-feira, julho 05, 2007


Tudo se torna mais claro

Cai enfim,
Tudo o que disseste, balouçando sobre o vazio
Corda esgaçada, silenciosamente parte
Nos instantes velozes
Em que uma boca fugitiva
Fere, engana, desmascara,
Olhos feridos, abertos
Volteando, em euforia,
A verdade afogando-se em álcool
Perfidamente ministrado
Na ausência e no engano.

Tudo se torna mais claro
Quando nada é desmedido,
Quando a bruma e as trevas
Brilham mais que todas as manhãs.
Amsterdão - Holanda



Nem ópio nem morfina.
O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que ando delirante...
Manhã tão forte que me anoiteceu.
Mário de Sá-Carneiro in “Alcool”

terça-feira, julho 03, 2007


Náuseas


Na subtil poeira de outros enganos
Vejo-me nos destroços deixados
Dos bandos de quimeras perdidas ao longe.

Dou-me no horizonte que arde,
Escavadas as cinzas e o desencanto,
Resvalamos nos precipícios iluminados
Em ânsias ancoradas em ruínas e vertigens.


Amantes inconscientes
E distantes,
Como dois desconhecidos.

sábado, junho 23, 2007



profundo
na calma brisa
a palavra que guia
segue no silêncio do coração
aparece imaginada
cresce aventurada
é o profundo azul
o fundo do sonho
o mundo que se forma nas palavras
na voz do chamamento
sonoro silêncio
do amor profundo
*
Marraquexe - Marrocos
Nota 1:
Le Messager d'Allah a dit : " Lorsque vous entendez l'Appel du Muezzin, dites à sa suite comme il dit " [ Hadith authentique ]
in

Recomendo esta página para quem sentir e ouvir parte do que é alma do sul: o chamamento dos muezzins, à oração, no alto das mesquitas, no mundo árabe.


*


Nota 2:
Olha a estrela de Alba
Chama da manhã
Ó manhã, o teu abraço
Oxalá
Me não apague
A paixão da minha alma
Ó paixão
Nem a manhã
Apaga a luz que tem a chama do teu belo olhar
Já é hora da chamada
Alto cantei.

Pregão, de Francisco Ribeiro
In Espírito da Paz (Madredeus)


A edição do mês de Junho de 2007 da CAIS debruça-se sobre o estado da poesia em Portugal e reflecte sobre os desafios deste género literário num novo século.

Sob o lema "Poesia - filha de um Deus menor" são entrevistados Gonçalo M. Tavares e Daniel Costa-Lourenço, sendo apresentados poemas dos entrevistados e de Fernando Pinto do Amaral.

A não perder.

http://www.cais.pt/

terça-feira, junho 12, 2007


Poeta ínfimo

A memória queima-se e renasce
Em vagarosas linhas tímidas,
Escapando nos fugidios alicerces do momento,
Escondidas em frases ínfimas insuspeitas,
Estremecendo,
Abrindo as cicatrizes contorcidas no chão...

E a cabeça que se encosta a medo,
Ferida de prazer e insónia,
Amarga,

Desvanece o tempo, finge sobreviver
Aos suspiros e à mágoa de outra noite em branco,
Debruçada em risos polidos,
Sem réstia de pensamento.


“(...)e no terror da insónia,

onde o obsessivo corpo substituiu a suave cocaína (...)”

Al berto in “A noite progride puxada à sirga”: Três poemas esquecidos”

sábado, junho 09, 2007


Eu

Não tenhas medo,
Podes voltar
Num mar eterno para chegar a qualquer lado,
Estou só e oiço-me
De coração aberto,
Que só guardo em mim
O que de mim desconheço,
Nem sempre em cantos escondidos,
E o mundo termina mesmo no vazio.


Sou eu em liberdade
Pouca coisa evidente,
Aceita-se sem depois,
Querer tem a marca do silêncio,
E a dois ou a todos,
Somos o que o outro é,
Sem mais nada de complicado.

Não tenhas medo,
Olha-me como eu me vejo,
Como nós somos em liberdade.

quinta-feira, maio 31, 2007


Ás vezes

Espero que o azul cubra de fogos o céu,
Em outro dia de ninguém,
De anunciada redenção,
A ti.

Navegam os desejos que espalho na superfície,
Ás vezes subindo contra a corrente,
Ás vezes o mar nascendo no horizonte.

São minhas as palavras que anunciam o Verão,
Quando me lembro
Quantas vezes desci todas as colinas
Ensopadas em febre e água.

É somente a euforia,
O medo de gritar sem ouvir
Os pálidos toques em pele.

Ás vezes amo-te,
Ás vezes tudo se cala.

terça-feira, maio 29, 2007


Tempo adiado

Os salpicos no terraço confundem outra manhã insuspeita
Que o tempo não é este,
E faz tempo que não adormeço lá fora,
No cálido embalo do burburinho das multidões errantes,
Lá em baixo, nas reuniões secretas das copas das árvores,
Somente estudando o desenrolar do tempo,
Apoiados nas pernas cruzadas sobre o fresco da calçada.

A cadeira permanece recolhida
Sobre o jornal de há tempos, ensopando,
Diliuindo tinta e memórias de outros dias.

Sobra-me tempo para seguir o caminho das gotas,
As luzes seguindo ordenadas, piscando na ponte,
Para outra vez olhar a esplanada triste, na praça vazia.

É o tempo adiado, o verão que tarda,
A porta que demoro abrir, sem pressas
No silêncio cheio de palavras indecifráveis,
Adivinhando a insconstância do tempo que foge.

terça-feira, maio 22, 2007


Primavera


A limpidez do dia passava
Medida no tempo das coisas,
Das pessoas misturadas
Nas cores frias dos telhados,
Confudidas nos desenhos das sombras.

Não conheço ninguém nesta luz tão húmida,
Na música que flutua entre as torres,
Entre cada esquina que hiberna mais um ano.

Penso no que farei amanhã,
Fugir nas furiosas paixões das avenidas largas,
Dos mundos que se repetem em cada pessoa,
Guardadas em todas as grades que rodeiam os jardins.

Cheira a verde, a água e a árvores tombadas
A primavera no Norte.

quinta-feira, maio 10, 2007


Parece infinito

Parecem infinitos,
Os passos que se apagam na areia fina de Jürmala,
Misturando-se no vento de Maio,
No uivo dos pinheiros vigilantes.

Parece profundo,
O azul dos bancos pontuando a praia,
A espuma revolta perdida no mar frio e escuro,
A brisa forte embalando os pássaros.

Na madeira gasta das paredes,
Parece simples
Escrever um dia perfeito.

(Jürmala - Letónia)

sábado, maio 05, 2007


Riga

Agitadas pelo vento gelado do Báltico,
As águas correm escuras
Nas margens desertas de domingo.
As cúpulas desafiam a planura das nuvens,
Assinalam os desencontros da cidade adormecida.
Rimos e fugimos das esquinas geladas de Riga,
Sem adivinhar qualquer Primavera próxima.
Amigos rindo num café
Inventam os caminhos do mar próximo,
Sem pressa de voltar.
(Riga - Letónia)

segunda-feira, abril 23, 2007









Subitamente, no verão, apenas um zumbido. E o mel nos teus lábios.




sem título




No dia Mundial do Livro, associo-me à iniciativa do DN, contando uma história em apenas 10 palavras.










sexta-feira, abril 20, 2007


Resina


As velas soltam palavras em combustão,
Fricção de pés brancos no lençol mordido,
Lambendo, gotas de tédio e paixão,
O Outono, adornando e caindo nas mãos,
Os ramos dobrados, em choro, quebrando,
Resina, sumindo de seguida, seguindo
Os pássaros migrando, diluído nos enganos,
O rio e o mar, mistura fina,
Interminável templo de sal raro,
A chuva no horizonte, lama, terra,
Subindo no vento, a poeira,
Pousando no silêncio manso, dos soluços escondidos,
Prisioneiros,
Os zumbidos, borboletas,
Dois gritos, o deleite,
A resina nas curvas da boca.
*
"(...)Vai, porque quem não pede perdão
Não é nunca perdoado."
Vinicius de Moraes in Insensatez

quinta-feira, abril 05, 2007


O som da beleza

A que soam os acenos e nevoeiro,
A cidade, o risos da multidão,
Os pensamentos sós, os segredos,
Os prazeres proibidos na escuridão,
A tristeza, a voz inesperada
Dos desencontros.

A que soa o ouro,
Caindo sobre a pele,
A face preciosa do mundo,
O canto da memória, o coração,
A areia, o sal,
A que soam a línguas e as lágrimas,
Os fantasmas e o deslumbramento.
A que soam os ventos lusos
Ouvir falar de amor...?
Budapeste - Hungria

"O amor é um perfume
Perfume que se esvaece.
Mário de Sá-Carneiro in "Amor"

terça-feira, abril 03, 2007


Beijos no cimento


São traçados a tédio, sincopados,
Os encontros e as ilusões,
Pequenos mundos devorados a cinzento
Que as breves horas apressadas nos deixam.

De ip’s e ic’s forma-se a anatomia do que já fizémos,
Os itinerários que se complementam, as certezas do fim
Afundam-se no cimêncio dos beijos,
A um ritmo pendular,
Frios e mudos,
Roubados às canções pálidas que ofereci,
Perdidas,
Nas peregrinações encenadas de todos os dias.

Tudo é um grande momento único,
Na contigência geométrica da calma suburbana,
No sono profundo dos arredores,
Entorpecendo lábios que se tocam
Escondidos.


cimêncio, s.m. (do lat. coementu por aglutinação com do lat. silentiu). Estado calcário de pessoa ou cidade que revela uma calma fortísssima. Mistura de cal, segredo e mistério, impenetrável ao tempo. União íntima; pausa fundamental. Suspensão de base ou fundamento. Sono profundo dos arredores. Construção imaginária; matéria-prima do espírito.
luís gouveia monteiro
após Diogo Lopes e Nuno Cera in"Cimêncio" (Ed. Fenda, Lisboa)

quarta-feira, março 28, 2007


O céu, afinal



Alcançarei o céu, ainda,

No voo silencioso do vento,

Que vagamente flutua

Entre o poente e o levante

Num beijo fundo e intenso.

O céu, afinal

Permanece incólume,

Indiferente aos tombos dos fugitivos,

Marinheiros solitários

Amantes das mil certezas,

Procurando cair noutros braços.





Ne cherche pas les limites de la mer.

Tu les détiens.

Elles te sont offertes au même instant que ta vie évaporée.

René Char in “Poèmes des Deux Années”

quarta-feira, março 21, 2007







Sul






Sacode-se a terra no mar
Na fina poeira do nosso encantamento
Um súbito sopro cardeal
Entre a mansidão da cor inflamada.

É quente, a noite,
Enche-se a Lua nas sombras,
Mergulhado o sono
Em prantos dispersos de cigarras.






(...)imagina-nos
na aragem cuja face se distende
ao sol que lentamente se afunda.(...)

Ibn Sara in “o meu coração é árabe” de Adalberto Alves


(Marraquexe - Marrocos)


A cinza perdeu-se (voo sem ruído)


Cai-me a boca sobre o peito dorido,
A saliva apaga o ardor,
São de cinza os receios que se perdem sobre o mar.
Na vigia das árvores despidas da colina,
Adormecidas,
Sacudindo folhas e coração,
O sabor escancarado da cidade tomada sem luta,
Perpetua-se em delicado voo sem ruído,
Sem marca,
Com a impressão da musica que se perde nos gestos vagos,
Cruzando o mar da Palha.




“(...)vendo-as cair os pássaros aprendiam
o voo
antes das asas.


Carlos Nogueira Fino in “mesmo que o silêncio...”

terça-feira, março 20, 2007


Podia saber mais de tudo


Podia saber mais de tudo,
Deixar-me enredar nesses enganos,
Confiar na incerteza de outros dias.
Podia renegar-me, talvez nunca como agora,
Podia saber quem eras tu e os demais,
Fintar o futuro e o passado,
Que o acaso fosse concreto e determinado.
Podia não estar aqui,
Ser material de outra estrutura,
Escolher a chuva que me ensopa,
Queimar-me ao vento, ao sul,
Onde o sal soubesse tanto a lágrimas como eu,
Para que me esqueça delas, enfim.

É melhor assim...
O peito aberto, sem condições e tratados,
Morder o presente, sangrar,
Querer o mais difícil dos prazeres,
Esquecer o amargo das canções,
Enfim.



“Que importa o gesto não ser bem

o gesto grácil que terias?

Importa amar, sem ver a quem...

Ser mau ou bom, conforme os dias. (...)”

David Mourão-Ferreira in “Canção Amarga”

quinta-feira, março 15, 2007


Prazer


Palavra insensata
Que não se acha nunca,
Divide-se por nada e por mais se perde,
Lânguida promessa que esmorece,
Rio que seca e cresce imparável
Como se de meu sangue se tratasse.
Palavra falada que entontece
Cuspida como merece,
Insinua-se nos sulcos da língua,
Escondida na curvas da saliva,
Noutro corpo que é meu,
Recente, ausente, futuro.
Palavra indingente, silenciosa,
Caminha nas linhas de branca depravação,
Sem inspiração, arde
No sonho breve e mudo de só querer
Alguma coisa,
Apenas experimentar o meu prazer.

quarta-feira, março 14, 2007


Breve

Ouvir-te já, de olhos fechados num luto de poucos dias,
Lembrar-te da ânsia do horizonte que não chega nem se alcança,
Tocar-te devagar, na sombra da chuva miudinha que agora cai,
Seguir-te, quando a pressa de chegar já é vontade de ficar,
Descer-te à brevidade dos desejos incertos,
Gritar-te em desvario, queimando a garganta calada de promessas,
Estranho-te agora, perante o medo lascivo de querer mais,
Matar-te afinal, no tempo que foge e acorda em alucinação.

terça-feira, março 13, 2007


O que escreveste afinal?

Tu consegues, digo-te,
Escalar o céu,
Divagar nas profundezas do tédio, incólume,
Fintar a curva esguia dos vagos sons diluídos na sombra dos teus medos,
Baloiçar diante do abismo, hábito doentio,
Suspirar de fastio perante os sustos dos incautos.

Repara, dizes-me,
As manhãs desaparecem nas noites anteriores,
Os sentidos sangram e cegam,
E mesmo com volteios nas palavras que inventas,
Escudas-te opulência da decadência,
No luxo desmedido de não te preocupares.

Desejos errados, olha bem,
Corpos arfam em angústia,
Padecendo de nada sofrer,
Quanto a coisas que nunca fizeram,
Mas insistem,

A terra segue girando,
Nao faz mal, dizes,
A mim faz-me, digo eu,
Porque ninguém se lembra de nos ver passar, nunca,
Nem agora.

Fundimo-nos afinal, com outra manhã que matámos.
O que escrevemos afinal?
Na tua colina



Entrega-me a minha metade do teu nome escrito na cidade,
O corpo dividido em muitas margens,
Impossíveis de alcançar,
Irremediavelmente perdidas na dança eterna das ondas,
No perfume suave do poente,
Acendendo o burburinho da noite.


Demora-se quem passa nesta colina,
Enebria o odor as corpos escondidos
A túmulos e promessas de lábios gelados,
Dormindo sobre o mármore que esfria por baixo,
Na sombra do fim do dia,
No mundo sem vida que nada aquece
Em promessas de nada dizer.

Agitam-se as vozes subindo a encosta,
Tropeçando nos acasos,
Nos rios que alastram com a chuva
Como o negro da paixão
Como o vinho que já não enche nem preenche e se entorna,
Dolorosamente embriagando,
Esquecendo-me de procurar alguém
Entre aqueles que passam por aqui,
Esperando que me devolvam o meu lugar na cidade.

Entretanto, sem remédio, perco-me.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007


Espaços interditos (renego-me)


Há espaços interditos
Onde o deslumbre penetra como gume aguçado,
Nos feitiços desse ínfimo universo,
Sedento de fantasias mudas e perversas,
De medo irresístivel, de querer ainda mais.

É o vinho que embala a cintura,
Um travo rouco a poesia brava
Desenterra a raiz escondida do desejo,
Mostrando-se na última claridade do passado,
Desmascarando certezas.


És batalha vencida,
Ardendo devagar com os estandartes,
Entregando-me prisioneiro,
Saqueando-me o sentido deixado pelo tempo perdido,
Uivando sobre a nudez de corpos amargos.

Renego-me, enveneno-me,
Por tudo o que penso e não quero,
E o que quero sem pensar, em furiosa demência
Transpirando em contenção,
Fugindo dos pesadelos de noites repetidas,
De sexos furiosos ao desbarato.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007




Lua que enche o rio


Nas insondáveis partidas da solidão
Os reclusos desejos
Escorrendo nas mãos da chuva fria,
São meus.


Arrastam-se as memórias de cada rua,
Feridas descobertas por outra fuga,
Escondidas nos sítios perfeitos
Para morrer outra vez,
Para despir os rostos que não se vergam,
Para penetrar os corpos que se abandonam.
Ignoro se mudei,
Se calei os que ontem foram outros,
Os que ficaram para trás
Perdidos, sem passos no chão
Que se despeçam e se esqueçam
Da Primavera.

Outro prisioneiro arde na lua que enche o rio,
Perdem-se os monstros nas vagas de Janeiro,
Inundam a cidade de solidão,
Afoga-se uma tristeza tão simples numa dormência vagabunda.



Estranhas revisitações

São equívocos eróticos, dizem-me...
Não precisamos de tanto amor,
Tanto amor, sempre igual
Sem espaço, muito tempo,
Entre os neons e o cimento
Suspensos do mundo, moribundos,
Como anjos perdendo a inocência,
Em infinita elegância
Sempre do lado do mar,
Em enganos,
Partindo em busca de peixes voadores
Mesmo, viajando para o interior da terra


São fluídas melodias
As que desenhas nos mínimos movimentos,
Em palavras puras, que se querem.


Não preciso de ti,


Só de alguém como tu.

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Promontório (abismo)


Dei dois mares num suspiro

Fugindo o tempo num abraço

Aquecendo o corpo noutro beijo,

Afastado o silêncio nos ruídos

De portas e vozes abertas

Á respiração dos nomes das coisas,

Ressoando, quebrando a vastidão das almas desconhecidas,

Em ímpetos de paixão ofegante.


Dei o mar às palavras que me afogam

Vagas,

Tesouros naufragados, inacessíveis como os medos,

Esclipes no breu da cegueira,

Água lisa infinita da inspiração,

Mergulhada nas estrelas.


Abre-se o abismo no promontório despido

Pelo vento e fúria clamorosa do que já não se ouve,

O que se perde em cada momento de primavera,

Em cada dia maior de verão.

Juntam-se os mares da terra em outras vozes,

Deslizam os barcos no sossego límpido do estreito.


Respiro, enfim, livre.


sexta-feira, fevereiro 02, 2007


Farto

Nada tem tido o mesmo sabor
Tudo o que acontece com nada se parece
E tuas palavras, são as minhas de enfado,
E outros desígnios, os outros que falam,
Tudo e nada se ouve, esqueço.

Não sou o que era, nem o que queres, o outros esperam,
Não me dizem,
Não digo nem respeito, admito,
Perdi-me, procurei na multidão que se limita a estar,
Sem interesse, sem interesses,
Rotineira vontade de não mudar,
Falsa e estúpida vontade de muita pouca coisa ser,
Não ser eu, em mim ser mais, mudar.

Se mais qualquer coisa terei, a dar, a mostrar,
Fugiu contigo, com todos, contido,
Os que amo e odeio, sempre, às vezes, poucas,
Desencanto, voltando, surgindo,
Fogo fátuo perdendo-se outra vez,
E outra folha que não se escreve.

Perde-se tempo farto num segundo.

segunda-feira, janeiro 29, 2007


Sem resguardo

Nem tudo demora como este Janeiro
E na chuva tudo dura eternamente
Sem um resguardo para a falta que sinto.

Neva um ano depois,
E os olhos fecham-se,
Indiferentes aos vultos sobre o asfalto
E folhas rasgadas, molhadas,
As frases abandonadas,
Sem o conforto da minha cabeceira,
Em sossego,
Saborando o pó do tempo.

As memórias secretas dos beijos,
Desamparadas, empalidecem,
Desvanecem-se nas horas cinzentas,
Nos fantasmas que ainda me acompanham.

Já não me confesso, nem oiço, nem falo,
E as raízes já se aventuram em qualquer rua,
Em qualquer estação,
Como anjo caído, pecador.

E tudo demora, e a rua esfria,
Cala-se, sem passos que se oiçam na escada,
Esvaindo-se a vontade, nua,
De voltar.

quinta-feira, janeiro 18, 2007


Mesmo que de novo acordes


Oiço um toque que escorre, desejo,
Uma boca que socorre a vontade,
Tirando do escuro o quente silêncio em que se adivinha,
Uma sede premente, pulsando, nos movimentos que tomam forma,
No sobressalto de gemidos em fuga, furtivos,
Sem acordes, mesmo que de novo acordes, durmas,
Desarmada, a luz irrompendo em estilhaços, sumindo-se,
Nos repentinos movimentos que nos tomam,
Pulsando, encadeados, instintivos.

Oiço batidas, bate o coração do mundo em feroz inocência,
Nós em sobressalto, ouvimo-nos brilhar,
Esperando tréguas de olhares inadiáveis, inevitáveis,
Tombando, rendemo-nos ao que nos prende
E nos solta, em fúria.

Não precisas acordar, oiço o que não dizes.