segunda-feira, janeiro 29, 2007


Sem resguardo

Nem tudo demora como este Janeiro
E na chuva tudo dura eternamente
Sem um resguardo para a falta que sinto.

Neva um ano depois,
E os olhos fecham-se,
Indiferentes aos vultos sobre o asfalto
E folhas rasgadas, molhadas,
As frases abandonadas,
Sem o conforto da minha cabeceira,
Em sossego,
Saborando o pó do tempo.

As memórias secretas dos beijos,
Desamparadas, empalidecem,
Desvanecem-se nas horas cinzentas,
Nos fantasmas que ainda me acompanham.

Já não me confesso, nem oiço, nem falo,
E as raízes já se aventuram em qualquer rua,
Em qualquer estação,
Como anjo caído, pecador.

E tudo demora, e a rua esfria,
Cala-se, sem passos que se oiçam na escada,
Esvaindo-se a vontade, nua,
De voltar.

quinta-feira, janeiro 18, 2007


Mesmo que de novo acordes


Oiço um toque que escorre, desejo,
Uma boca que socorre a vontade,
Tirando do escuro o quente silêncio em que se adivinha,
Uma sede premente, pulsando, nos movimentos que tomam forma,
No sobressalto de gemidos em fuga, furtivos,
Sem acordes, mesmo que de novo acordes, durmas,
Desarmada, a luz irrompendo em estilhaços, sumindo-se,
Nos repentinos movimentos que nos tomam,
Pulsando, encadeados, instintivos.

Oiço batidas, bate o coração do mundo em feroz inocência,
Nós em sobressalto, ouvimo-nos brilhar,
Esperando tréguas de olhares inadiáveis, inevitáveis,
Tombando, rendemo-nos ao que nos prende
E nos solta, em fúria.

Não precisas acordar, oiço o que não dizes.

segunda-feira, janeiro 15, 2007


Queimei o dia de ontem

Queimei o dia de ontem
Porque tudo se passa com atraso
E apenas guardo o que já nao há,
Nos sítios que perdi,
Tantos passos atrás.

Lancei fogo às tuas notas,
Riscos e livros rasgados pelo meio,
E ainda não eram duas da tarde,
Mas os dias não se fazem de esperas inúteis,
E nem tudo gira à nossa volta,
Acontecem sozinhas sempre que as empurramos,
Nos sopros de fumo, subindo até ao tecto dos nossos humores.

Ontem não sabia o que dizer,
Hoje não disse nada.

Ardemos no fundo de um caixote.

quarta-feira, janeiro 10, 2007


Espreitam

Espreitam-me o peito muralhado,
Que o esquecimento disfarça com acalmia,
Coberto o desejo em neblina espessa,
Onde nada germina, onde nada se ouve,
Só eu,
Num campo guerreiro aguardando as trombetas,
T tu, insistentemente lá fora,
Desfraldando as bandeiras há muito recolhidas,
Sem tempo nem pressas á vista,
Pisando as cinzas e pedras de campos onde fogo insiste em passar,
Mas que ora se apaga,
No espanto de um amor inevitável.