sábado, novembro 24, 2012


Às vezes não temos cor

 
Lisboa às vezes não tem cor, esvai-se em soluços cinzentos,
Separa-nos, entrega-nos ao desconforto das janelas vazias.
Hoje não acordei. Não é dia e não chove.
Medeia-nos o desconforto, o fim da história,
As palavras esbatidas das dúvidas e o medo, o desafio,
Cavaleiros tremendo na ânsia da batalha que terminou.
Hoje não acendi a luz, fervi o coração em desespero,
Queimei-te em festa, desmantelei-te em intervalos longínquos.
Ficaram os lapsos, o tédio, os sonhos ardendo na respiração.
No rastro da tempestade, o silêncio não tarda. Perde-se na calçada,
Para lá das janelas desgarradas, irrompe, salpica-nos.
Não é mais nada do que o espaço liberto dos nossos passos, à procura de restauro,
No canto sonolento das palavras mudas, sem arrojo e sem rasgo.
Revisitada a arquitetura das nossas diferenças, tudo permanece igual:
Uma soma de paralelos, perdendo espessura, implodindo no infinito incolor.

 
Portugal

As montanhas empurram o mar
Em busca incessante, um formigueiro na viagem,
Condição contaminante.
Esconjuras, ousadia e degredo,
Língua esvaída, desdita, feliz,
Sossego em sobressalto.
Cidades murmuradas, gastas ao fim-de-semana,
Sabedoria de café, janelas iluminadas,
Portas escancaradas para gaivotas.
São tempestades, é verão,
Vento manso que nunca chega,
Tudo alcança, em todo o lugar chega,
Criatura liberdade em permanente aventura,
Tempo passado, futuro insistente, teimoso.
O mesmo relógio, diferentes razões e atrasos, desculpas,
Nada mais acontece, a todas as horas se inventa,
Ainda assim, é mesmo assim,
Existe alma, escrevemos triunfantes,
Nesta terra não sai petróleo mas jorra talento.

quarta-feira, setembro 19, 2012


Jardim secreto
 
Quando finalmente adormecer,
Será na tarde que chegará solta, indolente, de pés descalços sobre a relva,
De lábios doces por experimentar,
Sem vestígios de nós os dois e todo o mundo, sedutor,
Num abraço de juramento, de corpos estendidos e mãos tateando o espaço perfumado de fruta fresca.
É domingo, és tu o jardim secreto desenhado a sonhos,
Que não chegam mas torturam o lusco-fusco dos meus olhos,
Semi-cerrados, inquietos, ansiosos.
És mais música, menos poema, voz de toda a insolência.
Uma consolação aguardada, evidente e íntima,
Um desejo indomável que não deixa vestígio visível nem sopro morno sobre a pele.
Acorda-me.
Estes não são dias como os outros e quando ceder ao pôr-do-sol,
Tudo desaparecerá sobre o silêncio de uma floresta temendo o fogo.
Mas tu não. Tu ficas.
 
Tu ficas e guardas o sol para quando eu não quiser mais chuva.

quarta-feira, agosto 15, 2012

O mundo assim
 
O mundo assim, agora,
Tarde doirada de azeite,
Café e açúcar no fundo da chávena, dormem,
Os teus olhos rindo, fugindo dos meus,
Tejo com cheiro a chuva, salpicos,
Árvores sobre a relva e música, sol nos pés,
...
Cortinas e os carros na janela, voam
Astros escondidos na luz,
Lisboa acontecendo.
 

sábado, julho 21, 2012


sussurrar, do latim susurro -are, causar sussurro, rumorejar, dizer baixinho, segredar.

Depois de "Vísceras", "Venenos" e "O Amor é uma maldição", o coletivo tânia ribas troeira, daniel costa-lourenço, carlangas e os DJ Casalmaravilha regressam ao Etilico para mais uma sessão de poesia e música.

As noites quentes de Lisboa são a envolvente perfeita para uma noite de segredos e confidências, musica e palavras ébrias.
...
"Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego...

Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece...

Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente... "

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

sexta-feira, maio 04, 2012

Não consigo escrever

Não consigo escrever. As palavras são pequenos sopros rasgados e indecifráveis. O amor, o ódio, o medo, a esperança, a dor, todas as fraquezas empurrei-as para bem fundo, longe, onde não as posso ver. Para onde julgo que podem não existir. Por momentos somos mudos. A escuridão é calma e reconfortante.


Tenho tanto dentro de mim e tão pouco sei o que é. Rebento e alucino, confundo-me, luto, resisto, prosto-me perante as evidências e os sonhos e o ritmo implacável do tempo. A consciência da minha finitude deixa-me apenas a gestão corrente dos minutos que se sucedem à espera de qualquer coisa que não acontece. Não sei se luto contra impossibilidades ou limitações, inatas ou impostas, conscientes e implacáveis.
Sei que não consigo escrever. As palavras falam, alto, ganham vida e a cor do veneno que me ensopa, afoga, cega. A emoção toma o lugar da razão e é a razão que o diz. Não consigo escrever, não consigo amar, não consigo ver e no entanto quero tudo isso e quero escrevê-lo, exorcizá-lo, sentir.


É à noite que o medo se dissipa. É na noite que me comprometo e comprometo o dia de amanhã. Tão depressa e tão fácil, tão rápido.


Não consigo escrever porque o mundo às vezes é mais veloz, mais cruel, mais necessário, mais sincero. E eu não sei ser mais eu do que sempre sou, trair o que me permito sentir.


Por vezes, tantas vezes, não se abandona o que se possui, mesmo que tudo ou nada se saiba do que não nos pertence.

quinta-feira, abril 26, 2012

Depois de "Vísceras" e "Venenos", a poesia e a música voltam ao Etilico bairro alto e às suas spoken word sessions.



Consideradas uma das mais recentes e cosmopolitas tendências da noite das grandes capitais, o poetry slam / spoken word sessions têm alcançado enorme suces...so nos bares de Berlim, Nova Iorque, Paris ou Londres


Por lisboa, "O amor é uma maldição" é o mote dado por Daniel Costa-Lourenço e por Tânia Ribas Troeira com cenários musicais improvisados do casalmaravilha/wondercouple e a guitarra de Cartangas que criam ambientes para uma administração de concentrado de palavras e segredos de diversos autores, como Eugénio de Andrade, Florbela Espanca, Al Berto ou Fernando Pessoa. Os efeitos são imediatos na forma como olhamos o mundo com as palavras dos poetas e a sonoridade das suas palavras.

Com a duração aproximada de 1 hora, a spoken word session terá ainda o microfone aberto ao público, onde podem ser lidos os poemas que escolherem, sejam da sua autoria ou de outros autores. Quem pretender participar poderá inscrever-se através do lisbonpoetry@gmail.com ou no dia do evento.

Maldição é a ação efetiva de um poder sobrenatural, caracterizada pela adversidade que traz, sendo geralmente usada para expressar o azar ou algo mau e aparentemente sem solução ou soluçao sobrenatural, na vida de uma pessoa. Pode ser associado a um "Feitiço", "Encantamento" ou "Fatalidade" ou a algo que possa ter a capacidade de matar ou provocar a morte.



Se isto é uma maldição então o que pode ser o Amor?


quinta-feira, março 29, 2012


Para ouvir mais logo:

(i)mundo

Silêncio.
Perante ti, o gosto amargo do silêncio. Procuro redenção na transpiração dos nossos
vícios.
Oiço-te chegar, partir, abrir e fechar todas as portas e janelas para o nosso
passado. O futuro é agora e acabou de passar. E outra vez.

Escurecemos
as sombras que fogem, que cobiçam o nosso desprendimento, a nossa vagabundagem.
Os teus cigarros surgem nos cantos, criam altares toxícos que não renegas e veneras.

Veneno,
Aquele que temos um pelo outro, como um vício insuperável, instintivo, imanente.
Preciso tanto deste silêncio, líquido perfumado, pó de estrelas decadentes,
como de dormir.

Não o posso evitar. O tempo perdido devora-nos. O prazer da minha carne não é só meu.

Observas,
O tempo, tu, a mim, enchendo o teu copo de rancor, de virtudes condenadas, excomungadas, repetidas vezes sem conta. Sem penas. Sem castigos.

Esperas-me
ao fundo das minhas dúvidas. Por isso não te vejo e não as esclareço.
Por isso a dor desaparece ante a ignorância do futuro. Que é agora e acabou de passar. E outra vez.

Cansaço.
Esgueira-se sem rodeios, arrasta todas as letras das palavras imundas que enfeitam a nossa rua,
que inundam a tua boca, que surgem nos poros transpirados que se revelam, em espasmos, vómitos.

O mundo apaga-se quando eu fecho os olhos.

sábado, março 17, 2012


POESIA no metropolitano de Lisboa ;)

quinta-feira, março 08, 2012




Alucinação

Sou um alucinado que perde no cheiro apodrecido nas palavras solenes.

Não resisto às declarações de amor cavalgadas em salas vazias sem atenção,
Uma e outras, de indisciplinada inspiração,
Minuciosamente escavadas nos silêncios e intervalos dos poemas,
Dos dedos da tua mão,
Vincados nos recantos ardentes do meu corpo.

Eu era vivo e morro todas as vezes nos impulsos discretos das circunstâncias acidentais.

O quotidiano supera as dúvidas das tuas promessas,
O castigo da escolha do antro onde te amar melhor que a última vez,
Como se soubéssemos distinguir, sequer, o que sabemos, o que queremos, o que desprezamos.

O tempo passa e envenena a feroz ilusão de que temos alicerces cravados algures.

Envelhecemos no espaço estéril da ventania.

O tempo passa e é coisa que não se perdoa,
Porque já passou e não pode ser outra vez.

sábado, fevereiro 04, 2012


http://maismulher.sic.sapo.pt/401866.html

No livro da autoria de Daniel Costa-Lourenço a cidade é novamente cenário e personagem que se movimenta entre os homens e as emoções.

Recorrendo à ambiguidade imanente ao conceito de herói, oscilando entre o divino e o humano, o egoísmo e o altruísmo, mergulha nas contradições das emoções e nas suas próprias dúvidas, como um reflexo opaco mas evidente das angústias e guerras do mundo. E como seria de esperar, os heróis de todos os dias sonham e amam nos encantamentos melódicos do fado e dos lamentos árabes, numa clara alusão a Lisboa e à sua alma.

Saiba mais sobre este livro na entrevista ao programa "Mais Mulher" da SIC mulher.

No próxmo dia 25 de Fevereiro, lançamento da antologia, que inclui um texto inédito de Daniel Costa-Lourenço.

No próximo dia 16 estão convidados para uma sessão de poesia visceral, com Daniel Costa-Lourenço, Tania Ribas Troeira, Luis Carvalho e dj set com Casalmaravilha- Poemas de lisboa, amores, paixões, sexo, loucuras e adições.
Lotaria


As folhas e os pássaros lutam,
Digo-te que o meu coração é vadio
E as paredes são inúteis confessionários.

Esqueces,
voltas noutro dia.

As noites são sempre iguais,
O tempo transforma-se, aprofunda-se.
Minto-te muitas vezes, com prazer.
Não fico impressionado com sangue, salpicos de álcool.
Desço a rua todas as manhãs sem levantar os olhos do chão,
Espreitas sempre pela janela. Não resistes.
Paciência de chinês,
Soberba de francês.
O Amor soa bem em quarto transpirado.

Não esqueces, voltas no mesmo dia.

Conto com a sorte, contigo.
Ainda é de tarde mas quero gin. Pastel de nata.
Os quadros estão espalhados pelo corredor, abandonados, à espera de engate soturno.
Não estou,
não estás para isso.

Contamos com o certo. Cigarros depois de sexo.

Rasgamos a lotaria.

domingo, janeiro 08, 2012


Sono

Tenho permanentemente sono…
Vivo como um estrangeiro no teu quarto, exilado,
Onde mesmo de madrugada já é tarde, já é o dia seguinte,
Onde nenhum fogo aquece, é distante,
A fornalha do sol que se afunda no oceano.
E o silêncio cai, molda-se aos espaços vazios,
Entre nós, entre as palavras esparsas, na sua ausência, sempre.
Podia apontar-te o movimento ascendente da lua e o mergulhar dos pássaros atrás dos
prédios,
Mas isso seria abrir mais espaço que teria de preencher,
E eu não conheço o idioma e os costumes deste degredo,
Deste canto que me apontas e aprisionas, o dedo em riste que sentencia o fim das
coisas.
Condenado ao inferno, não recuso
o prazer (o teu),
a morte (a minha),
o fim (do dia)
fugir (de volta à minha cidade)
acordar (não ter mais sono).