quinta-feira, novembro 10, 2011



Sei de um lugar (coração)



Ouvi dizer que existe,

um lugar escondido,

sussuro viajante, errando,

em constante e solene poente.


Sei de um coração,

triste,

perecendo em todos os males,

perseguindo naufrágios,

enganando a morte e a grandeza.



Chega-me um perfume de cravos, livros fechados, páginas que mortas cantam,

brisas amainando nas colinas,

súplicas, invejas, enganos.



Mas nesse lugar,

toda a luz é um grito,

todo o vinho é sagrado, todo o sangue renasce,

toda a palavra rasga, alastra,

dorme no mar,

imenso.



Nessa morada, a noite é curta e quente,

e a certeza, a nobreza, são mundo e glória,

e a força é estrada, é sopro, é víscera.



Sou de uma casa, de uma ideia que não termina

que avança no tempo,

que detém e contempla a todo o momento,

é alguém e toda a verdade, terrena e divina.



Sei de um coração que não cessa de bater,

belo, entontecido como o meu,

no meu.

sábado, novembro 05, 2011

Libertação (3 actos)

III - Inspira (libertação)

Tenho o poder.
Ser feliz em toda parte,
Apesar de tudo, por todos,
Inspirar a rua, as pessoas no mundo,
Quebrar e refazer o espírito,
Crescer a voz, em oração.
Eu sou.
Sou o sabor do meu nome,
Sal e vento, tempestade perfeita,
Sonho, devaneio,
Aresta inconformada que rasga o silêncio,
Mãos que interrogam, palavras insubmissas.
Mudo, liberto, guardo, arrependo-me, grito.

Escrevo o dia seguinte Amanhã.

*
O mundo suspende-se na doçura da descoberta,
Do que guardas, dizes e estendes pela minha tentação,
Do que desconheço e das palavras afiadas em limão que já partiram,
Ardendo até onde nos podemos conhecer e extinguir.

És um poema obstinado e lúcido.

Admiramos ondas que ainda não nasceram.



“ A noite desce, o calor soçobra um pouco,
Estou lúcido como se nunca tivesse pensado
E tivesse raiz, ligação direta com a terra”
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Libertação (3 actos)

II - Sangue e tudo (revolta)‎

És mais morte e sangue,
Coração esmagado, dorido, meu amor traído,
Finalmente tingido,
Escrito, nas paredes, corpo gasto, uma e outra vez,
Na voz que se arrasta, mel rubro, veneno,
Lambe sôfrega, violenta, sentida, perdida, liberta,
Vagando, voando,
Grita a tua maldição, outra tentação, a minha e a tua,
O ódio que nos agarra,
O inferno, o avesso, o medo, a fúria.

És morte e sangue e tudo.
Libertação (3 actos)



I – Etílico (adormecido)

Escuto o álcool correr.
As janelas e a música
Chamam cidade suja, delirante,
Adiam a minha descida à madrugada,
Aos prazeres idílicos e voláteis,
Que, lentamente, mordem as horas,
Que adormecem as dores,
Lapidam a poesia constante das noites intermináveis.
As palavras, os medos os risos e os azares,
Examinam cada rosto apressado que tropeça na calçada,
Interrogando cada pessoa que atravessa o Bairro Alto
Que se repetem a cada trago, a ausência e o esquecimento.
Mais um coração bate,
E outro amor dissolve-se em vários copos,
Evapora-se ébrio
Num perfume etílico, eminente, inesgotável.