domingo, outubro 06, 2013


Atlas

Os mapas antigos têm cores,
Ventos, monstros e serpentes, verdes.
A tua,
Rodeia-te o ombro,
Toca-te o veneno dos lábios,
Baralha-me a latitude,
Afunda-me nos cantos desconhecidos
Onde o mar cai no vazio,
Onde todos os aventureiros perderam o chão e o abismo
E descobriram as estrelas.
São os pontos recortados e letras que não conheço
Que lavram a linha do teu braço,
Apontam as cidades e os povos imaginados
No rumor da rua
(que não vemos há dias porque um atlas redescobre-se como se fosse outra vez),
No estalido surdo da carne trémula,
Perturbando falhas, desfiladeiros, cicatrizes.

Os trópicos misturam-se na tinta e o Equador revela-se quando me rodeias
E envolves no sopro Este do Levante.

Não se ouve ninguém nos confins do mundo.

sábado, agosto 31, 2013


Agosto

Fervemos em qualquer dia
Que nos apeteça
Ou aconteça,
Mas é verão em Lisboa
E o azul é maior do que nós,
Helénico,
Imenso toldo que nos cobre as façanhas,
As patranhas,
Os beijos roubados no jardim,
Os peixes a ver,
E a relva que nos aconchega,
Esconde a roupa molhada, na sombra,
Sem disfarçar,
Do quanto me queres,
Do quanto te dás.
A cidade abandonada só para nós,
Disponível,
Enchendo-nos a boca de sede,
A querer mais,
Querer-te mais,
Ter-te mais.
Esquece,
Não digas a ninguém,
Mas amanhã há novamente rio
E tardes devoradas por incêndios

Dos nossos corpos acesos.

sexta-feira, julho 12, 2013

Lisboa (estio)


Demoras a acordar.
Suspiros profundos recortados nas travessias que despertam,
Crescendo nos ventos africanos da manhã.

Corre-te o rio na nuca, transpirado, sonolento,
Expulsando pássaros salgados pela janela,
Com as primeiras palavras do dia.

Acordas Lisboa, cansada, rindo do vácuo da noite, do estio,
De corpo gasto, sepultado nos mistérios aromáticos, etílicos,
Dos peixes que alcançam terraços
Em chamamentos longínquos.

Lamentas não ser aquele dia, não ser a próxima
Palavra atada, submergida no fogo dos arredores,
Nos Jacarandás brilhando, o ouro luminoso do verão.

Beijamos a brisa, desfazemos o mar em cada ponto invisível
Do corpo e das muralhas que crescem e se esboroam,
Cada vez que nos deixamos exaustos, perdidos, os corações e
Os navios na barra.

Pressinto que deixo de existir em ti,
Subitamente, em todos os segundos,
Sempre que morres e que nasces,
À beira, no clamor do mundo.

quarta-feira, maio 15, 2013

Furor de todas as coisas (segunda parte)


Há um silêncio agudo em mim

Revelando-se em vozes inexplicáveis, descobertas na areia
Com as marés.

Imagino os barcos voando nas cidades
Levando-me ao meu primeiro dia no mundo
Luminoso
Efervescendo todas as manhã.

Abri os olhos à passagem das gaivotas
À escrita das conversas longínquas dos mitos oceânicos,
O furor de todas as coisas que ainda tenho de inventar,
Em estremecida devoção,
A ti,
Mistério perfumado que vagueia nos instantes das dúvidas e
Explode como a primavera depois do verão.

Respiro em águas mansas que regam a solidão.

segunda-feira, maio 13, 2013

Furor de todas as coisas


Perdi o furor de todas as coisas
No chamamentos das ondas e
Nos abismos tenebrosos que devoram a luz,
Inspiram o céu e encostam os ventos às maldições.

São mil feridas abertas na espuma,
Torturas cavadas e invernosas,
Corações afogados batendo no cais,
Em movimentos ardentes, esvaídos na voz antiga do tempo,
Odisseia de navegantes
Procurando a curvatura da imaginação e
Do medo.

Perdi o rasto das estrelas desprendidas e os faróis consumiram-se
Cansados,
Em crepúsculos sempre iguais.

O mundo é um ermo vasto e solitário
Um excesso que se devora de forma estridente,

Que me cria e destrói e
Condena a renascer, infinito