sexta-feira, março 14, 2014

Guardiões da claridade




A cadeira vazia admira o deserto que se estende, infinito, depois do terraço

E o bloco de papel perde todas as notas de solidão,

Todo o ressoar dos mastros recortados no pôr-do-sol.

O cântico do Mar da Palha dilui-se, vasto, como um temporal que se indicia mas não acontece.



Balançam os pés na beira do telhado e nós

Experimentamos as fronteiras do que podemos sentir, aqui,

Onde tudo se abre e se mostra, onde ninguém adivinha como nos queremos,

Como bebemos as estrelas e pescamos cardumes de gaivotas

Sacudidos pelo vento.



Envolvo a mão magoada na escrita no calor da noite, na tua furiosa quietude,

Desfaço os nossos nomes em poemas exaustos, viajantes, atormentados.



Foi assim que nos tornámos guardiões da barra do rio, da ponte perdendo-se no nevoeiro, do perfume intermitente da claridade, das palavras amareladas no bloco de notas, nascidas e mortas no mesmo instante de vento brando.



E todos os dias daqueles dias, mordemos o sossego, desfizemos o poente nas fogueiras acendidas por toda a cidade, provámos os corpos urgentes e inacessíveis de quem sonhava acordado.



Tornámo-nos descrentes de que, um qualquer dia, toda a cidade que se avistava não seria nossa, sempre.



sábado, fevereiro 01, 2014

Espera (Linha Amarela)


É no cais que se espera
São quatro minutos
De espera
Pessoas que desesperam
Eu
Que descanso, escrevo,
Brinco com os passos, nas mãos,
No brilho dos azulejos
Nos grafitis mal educados
E espero
E penso, conjuro, desconstruo, maquino, procuro
Mudo o mundo mudo
E o que pensava fazer daqui a três dias
E fico imóvel
Sempre ali
E gritam comigo (estou em frente à porta do comboio)
Cheio, cheios de espera, de cidade,
De Natal, de Páscoa, de Férias, de vida
Loucos
De ânsia
Chegar a casa
A ti
 - “Para sua segurança não ultrapasse a faixa amarela" –
A linha amarela traçado aos meus pés,
A linha que nos separa de nada.
Passaram quatro minutos e um segundo,
Vou passar nas outras estações, mudar de linha e de coração
E esperar
Quando sair na estação que dá para o mar
E submergir para amanhã.


segunda-feira, janeiro 20, 2014

Acompanhe no Facebook a “página irmã” deste Blog, onde as publicações incluem textos e fotografias dos mais diversos autores, sempre com Lisboa em pano de fundo e, claro, textos de Daniel Costa-Lourenço.




https://www.facebook.com/mardapalha.dcl

quarta-feira, janeiro 15, 2014

A Spoken Word Session "Trans(e)ação" é recomendada pela TimeOut Lisboa desta semana :)

terça-feira, janeiro 14, 2014


As spoken Word sessions voltam ao Bairro Alto a 16 de Janeiro. Depois de um 2013 completo, o Etílico Bairro Alto e o Blog Mar da Palha voltam a organizar sessões de poesia que misturam a voz, música e imagens, sendo o coletivo constituído pelas vozes de Daniel Costa-Lourenço, Susana Simões e Bruno Torrão, o ambiente sonoro a cargo do piano de Paulo Martins e da guitarra de Luís Pestana e a poesia visual a cargo de Eldorado13 by Marta Cruz.

Á semelhança de outras sessões, como “O Amor é uma Maldição”, Sussurros”, “Lisboa”, “Mar”, “Utopia”, “Venenos” ou “Vísceras”, existe um tema transversal e enquadrador, sendo que este “Trans(e)ação” está subordinado à poesia erótica, de autores mais e de outros menos conhecidos, tendo a música e a projeção de imagens como a envolvência perfeita.

E como sempre, não se pretende uma sessão formal mas sim que o público se sinta confortável e desafiado a entrar no espectáculo, podendo inclusive trazer os seus poemas preferidos e ligados ao tema, com o objetivo de fazer desta sessão um encontro de pessoas e partilha de paixões.

Acontecerá a 16 de janeiro, quinta-feira, pelas 22h30 e com a duração aproximada de 1 hora.

domingo, outubro 06, 2013


Atlas

Os mapas antigos têm cores,
Ventos, monstros e serpentes, verdes.
A tua,
Rodeia-te o ombro,
Toca-te o veneno dos lábios,
Baralha-me a latitude,
Afunda-me nos cantos desconhecidos
Onde o mar cai no vazio,
Onde todos os aventureiros perderam o chão e o abismo
E descobriram as estrelas.
São os pontos recortados e letras que não conheço
Que lavram a linha do teu braço,
Apontam as cidades e os povos imaginados
No rumor da rua
(que não vemos há dias porque um atlas redescobre-se como se fosse outra vez),
No estalido surdo da carne trémula,
Perturbando falhas, desfiladeiros, cicatrizes.

Os trópicos misturam-se na tinta e o Equador revela-se quando me rodeias
E envolves no sopro Este do Levante.

Não se ouve ninguém nos confins do mundo.

sábado, agosto 31, 2013


Agosto

Fervemos em qualquer dia
Que nos apeteça
Ou aconteça,
Mas é verão em Lisboa
E o azul é maior do que nós,
Helénico,
Imenso toldo que nos cobre as façanhas,
As patranhas,
Os beijos roubados no jardim,
Os peixes a ver,
E a relva que nos aconchega,
Esconde a roupa molhada, na sombra,
Sem disfarçar,
Do quanto me queres,
Do quanto te dás.
A cidade abandonada só para nós,
Disponível,
Enchendo-nos a boca de sede,
A querer mais,
Querer-te mais,
Ter-te mais.
Esquece,
Não digas a ninguém,
Mas amanhã há novamente rio
E tardes devoradas por incêndios

Dos nossos corpos acesos.

sexta-feira, julho 12, 2013

Lisboa (estio)


Demoras a acordar.
Suspiros profundos recortados nas travessias que despertam,
Crescendo nos ventos africanos da manhã.

Corre-te o rio na nuca, transpirado, sonolento,
Expulsando pássaros salgados pela janela,
Com as primeiras palavras do dia.

Acordas Lisboa, cansada, rindo do vácuo da noite, do estio,
De corpo gasto, sepultado nos mistérios aromáticos, etílicos,
Dos peixes que alcançam terraços
Em chamamentos longínquos.

Lamentas não ser aquele dia, não ser a próxima
Palavra atada, submergida no fogo dos arredores,
Nos Jacarandás brilhando, o ouro luminoso do verão.

Beijamos a brisa, desfazemos o mar em cada ponto invisível
Do corpo e das muralhas que crescem e se esboroam,
Cada vez que nos deixamos exaustos, perdidos, os corações e
Os navios na barra.

Pressinto que deixo de existir em ti,
Subitamente, em todos os segundos,
Sempre que morres e que nasces,
À beira, no clamor do mundo.

quarta-feira, maio 15, 2013

Furor de todas as coisas (segunda parte)


Há um silêncio agudo em mim

Revelando-se em vozes inexplicáveis, descobertas na areia
Com as marés.

Imagino os barcos voando nas cidades
Levando-me ao meu primeiro dia no mundo
Luminoso
Efervescendo todas as manhã.

Abri os olhos à passagem das gaivotas
À escrita das conversas longínquas dos mitos oceânicos,
O furor de todas as coisas que ainda tenho de inventar,
Em estremecida devoção,
A ti,
Mistério perfumado que vagueia nos instantes das dúvidas e
Explode como a primavera depois do verão.

Respiro em águas mansas que regam a solidão.

segunda-feira, maio 13, 2013

Furor de todas as coisas


Perdi o furor de todas as coisas
No chamamentos das ondas e
Nos abismos tenebrosos que devoram a luz,
Inspiram o céu e encostam os ventos às maldições.

São mil feridas abertas na espuma,
Torturas cavadas e invernosas,
Corações afogados batendo no cais,
Em movimentos ardentes, esvaídos na voz antiga do tempo,
Odisseia de navegantes
Procurando a curvatura da imaginação e
Do medo.

Perdi o rasto das estrelas desprendidas e os faróis consumiram-se
Cansados,
Em crepúsculos sempre iguais.

O mundo é um ermo vasto e solitário
Um excesso que se devora de forma estridente,

Que me cria e destrói e
Condena a renascer, infinito


sábado, novembro 24, 2012


Às vezes não temos cor

 
Lisboa às vezes não tem cor, esvai-se em soluços cinzentos,
Separa-nos, entrega-nos ao desconforto das janelas vazias.
Hoje não acordei. Não é dia e não chove.
Medeia-nos o desconforto, o fim da história,
As palavras esbatidas das dúvidas e o medo, o desafio,
Cavaleiros tremendo na ânsia da batalha que terminou.
Hoje não acendi a luz, fervi o coração em desespero,
Queimei-te em festa, desmantelei-te em intervalos longínquos.
Ficaram os lapsos, o tédio, os sonhos ardendo na respiração.
No rastro da tempestade, o silêncio não tarda. Perde-se na calçada,
Para lá das janelas desgarradas, irrompe, salpica-nos.
Não é mais nada do que o espaço liberto dos nossos passos, à procura de restauro,
No canto sonolento das palavras mudas, sem arrojo e sem rasgo.
Revisitada a arquitetura das nossas diferenças, tudo permanece igual:
Uma soma de paralelos, perdendo espessura, implodindo no infinito incolor.

 
Portugal

As montanhas empurram o mar
Em busca incessante, um formigueiro na viagem,
Condição contaminante.
Esconjuras, ousadia e degredo,
Língua esvaída, desdita, feliz,
Sossego em sobressalto.
Cidades murmuradas, gastas ao fim-de-semana,
Sabedoria de café, janelas iluminadas,
Portas escancaradas para gaivotas.
São tempestades, é verão,
Vento manso que nunca chega,
Tudo alcança, em todo o lugar chega,
Criatura liberdade em permanente aventura,
Tempo passado, futuro insistente, teimoso.
O mesmo relógio, diferentes razões e atrasos, desculpas,
Nada mais acontece, a todas as horas se inventa,
Ainda assim, é mesmo assim,
Existe alma, escrevemos triunfantes,
Nesta terra não sai petróleo mas jorra talento.

quarta-feira, setembro 19, 2012


Jardim secreto
 
Quando finalmente adormecer,
Será na tarde que chegará solta, indolente, de pés descalços sobre a relva,
De lábios doces por experimentar,
Sem vestígios de nós os dois e todo o mundo, sedutor,
Num abraço de juramento, de corpos estendidos e mãos tateando o espaço perfumado de fruta fresca.
É domingo, és tu o jardim secreto desenhado a sonhos,
Que não chegam mas torturam o lusco-fusco dos meus olhos,
Semi-cerrados, inquietos, ansiosos.
És mais música, menos poema, voz de toda a insolência.
Uma consolação aguardada, evidente e íntima,
Um desejo indomável que não deixa vestígio visível nem sopro morno sobre a pele.
Acorda-me.
Estes não são dias como os outros e quando ceder ao pôr-do-sol,
Tudo desaparecerá sobre o silêncio de uma floresta temendo o fogo.
Mas tu não. Tu ficas.
 
Tu ficas e guardas o sol para quando eu não quiser mais chuva.

quarta-feira, agosto 15, 2012

O mundo assim
 
O mundo assim, agora,
Tarde doirada de azeite,
Café e açúcar no fundo da chávena, dormem,
Os teus olhos rindo, fugindo dos meus,
Tejo com cheiro a chuva, salpicos,
Árvores sobre a relva e música, sol nos pés,
...
Cortinas e os carros na janela, voam
Astros escondidos na luz,
Lisboa acontecendo.
 

sábado, julho 21, 2012


sussurrar, do latim susurro -are, causar sussurro, rumorejar, dizer baixinho, segredar.

Depois de "Vísceras", "Venenos" e "O Amor é uma maldição", o coletivo tânia ribas troeira, daniel costa-lourenço, carlangas e os DJ Casalmaravilha regressam ao Etilico para mais uma sessão de poesia e música.

As noites quentes de Lisboa são a envolvente perfeita para uma noite de segredos e confidências, musica e palavras ébrias.
...
"Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego...

Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece...

Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente... "

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

sexta-feira, maio 04, 2012

Não consigo escrever

Não consigo escrever. As palavras são pequenos sopros rasgados e indecifráveis. O amor, o ódio, o medo, a esperança, a dor, todas as fraquezas empurrei-as para bem fundo, longe, onde não as posso ver. Para onde julgo que podem não existir. Por momentos somos mudos. A escuridão é calma e reconfortante.


Tenho tanto dentro de mim e tão pouco sei o que é. Rebento e alucino, confundo-me, luto, resisto, prosto-me perante as evidências e os sonhos e o ritmo implacável do tempo. A consciência da minha finitude deixa-me apenas a gestão corrente dos minutos que se sucedem à espera de qualquer coisa que não acontece. Não sei se luto contra impossibilidades ou limitações, inatas ou impostas, conscientes e implacáveis.
Sei que não consigo escrever. As palavras falam, alto, ganham vida e a cor do veneno que me ensopa, afoga, cega. A emoção toma o lugar da razão e é a razão que o diz. Não consigo escrever, não consigo amar, não consigo ver e no entanto quero tudo isso e quero escrevê-lo, exorcizá-lo, sentir.


É à noite que o medo se dissipa. É na noite que me comprometo e comprometo o dia de amanhã. Tão depressa e tão fácil, tão rápido.


Não consigo escrever porque o mundo às vezes é mais veloz, mais cruel, mais necessário, mais sincero. E eu não sei ser mais eu do que sempre sou, trair o que me permito sentir.


Por vezes, tantas vezes, não se abandona o que se possui, mesmo que tudo ou nada se saiba do que não nos pertence.

quinta-feira, abril 26, 2012

Depois de "Vísceras" e "Venenos", a poesia e a música voltam ao Etilico bairro alto e às suas spoken word sessions.



Consideradas uma das mais recentes e cosmopolitas tendências da noite das grandes capitais, o poetry slam / spoken word sessions têm alcançado enorme suces...so nos bares de Berlim, Nova Iorque, Paris ou Londres


Por lisboa, "O amor é uma maldição" é o mote dado por Daniel Costa-Lourenço e por Tânia Ribas Troeira com cenários musicais improvisados do casalmaravilha/wondercouple e a guitarra de Cartangas que criam ambientes para uma administração de concentrado de palavras e segredos de diversos autores, como Eugénio de Andrade, Florbela Espanca, Al Berto ou Fernando Pessoa. Os efeitos são imediatos na forma como olhamos o mundo com as palavras dos poetas e a sonoridade das suas palavras.

Com a duração aproximada de 1 hora, a spoken word session terá ainda o microfone aberto ao público, onde podem ser lidos os poemas que escolherem, sejam da sua autoria ou de outros autores. Quem pretender participar poderá inscrever-se através do lisbonpoetry@gmail.com ou no dia do evento.

Maldição é a ação efetiva de um poder sobrenatural, caracterizada pela adversidade que traz, sendo geralmente usada para expressar o azar ou algo mau e aparentemente sem solução ou soluçao sobrenatural, na vida de uma pessoa. Pode ser associado a um "Feitiço", "Encantamento" ou "Fatalidade" ou a algo que possa ter a capacidade de matar ou provocar a morte.



Se isto é uma maldição então o que pode ser o Amor?


quinta-feira, março 29, 2012


Para ouvir mais logo:

(i)mundo

Silêncio.
Perante ti, o gosto amargo do silêncio. Procuro redenção na transpiração dos nossos
vícios.
Oiço-te chegar, partir, abrir e fechar todas as portas e janelas para o nosso
passado. O futuro é agora e acabou de passar. E outra vez.

Escurecemos
as sombras que fogem, que cobiçam o nosso desprendimento, a nossa vagabundagem.
Os teus cigarros surgem nos cantos, criam altares toxícos que não renegas e veneras.

Veneno,
Aquele que temos um pelo outro, como um vício insuperável, instintivo, imanente.
Preciso tanto deste silêncio, líquido perfumado, pó de estrelas decadentes,
como de dormir.

Não o posso evitar. O tempo perdido devora-nos. O prazer da minha carne não é só meu.

Observas,
O tempo, tu, a mim, enchendo o teu copo de rancor, de virtudes condenadas, excomungadas, repetidas vezes sem conta. Sem penas. Sem castigos.

Esperas-me
ao fundo das minhas dúvidas. Por isso não te vejo e não as esclareço.
Por isso a dor desaparece ante a ignorância do futuro. Que é agora e acabou de passar. E outra vez.

Cansaço.
Esgueira-se sem rodeios, arrasta todas as letras das palavras imundas que enfeitam a nossa rua,
que inundam a tua boca, que surgem nos poros transpirados que se revelam, em espasmos, vómitos.

O mundo apaga-se quando eu fecho os olhos.

sábado, março 17, 2012


POESIA no metropolitano de Lisboa ;)

quinta-feira, março 08, 2012




Alucinação

Sou um alucinado que perde no cheiro apodrecido nas palavras solenes.

Não resisto às declarações de amor cavalgadas em salas vazias sem atenção,
Uma e outras, de indisciplinada inspiração,
Minuciosamente escavadas nos silêncios e intervalos dos poemas,
Dos dedos da tua mão,
Vincados nos recantos ardentes do meu corpo.

Eu era vivo e morro todas as vezes nos impulsos discretos das circunstâncias acidentais.

O quotidiano supera as dúvidas das tuas promessas,
O castigo da escolha do antro onde te amar melhor que a última vez,
Como se soubéssemos distinguir, sequer, o que sabemos, o que queremos, o que desprezamos.

O tempo passa e envenena a feroz ilusão de que temos alicerces cravados algures.

Envelhecemos no espaço estéril da ventania.

O tempo passa e é coisa que não se perdoa,
Porque já passou e não pode ser outra vez.

sábado, fevereiro 04, 2012


http://maismulher.sic.sapo.pt/401866.html

No livro da autoria de Daniel Costa-Lourenço a cidade é novamente cenário e personagem que se movimenta entre os homens e as emoções.

Recorrendo à ambiguidade imanente ao conceito de herói, oscilando entre o divino e o humano, o egoísmo e o altruísmo, mergulha nas contradições das emoções e nas suas próprias dúvidas, como um reflexo opaco mas evidente das angústias e guerras do mundo. E como seria de esperar, os heróis de todos os dias sonham e amam nos encantamentos melódicos do fado e dos lamentos árabes, numa clara alusão a Lisboa e à sua alma.

Saiba mais sobre este livro na entrevista ao programa "Mais Mulher" da SIC mulher.

No próxmo dia 25 de Fevereiro, lançamento da antologia, que inclui um texto inédito de Daniel Costa-Lourenço.

No próximo dia 16 estão convidados para uma sessão de poesia visceral, com Daniel Costa-Lourenço, Tania Ribas Troeira, Luis Carvalho e dj set com Casalmaravilha- Poemas de lisboa, amores, paixões, sexo, loucuras e adições.
Lotaria


As folhas e os pássaros lutam,
Digo-te que o meu coração é vadio
E as paredes são inúteis confessionários.

Esqueces,
voltas noutro dia.

As noites são sempre iguais,
O tempo transforma-se, aprofunda-se.
Minto-te muitas vezes, com prazer.
Não fico impressionado com sangue, salpicos de álcool.
Desço a rua todas as manhãs sem levantar os olhos do chão,
Espreitas sempre pela janela. Não resistes.
Paciência de chinês,
Soberba de francês.
O Amor soa bem em quarto transpirado.

Não esqueces, voltas no mesmo dia.

Conto com a sorte, contigo.
Ainda é de tarde mas quero gin. Pastel de nata.
Os quadros estão espalhados pelo corredor, abandonados, à espera de engate soturno.
Não estou,
não estás para isso.

Contamos com o certo. Cigarros depois de sexo.

Rasgamos a lotaria.

domingo, janeiro 08, 2012


Sono

Tenho permanentemente sono…
Vivo como um estrangeiro no teu quarto, exilado,
Onde mesmo de madrugada já é tarde, já é o dia seguinte,
Onde nenhum fogo aquece, é distante,
A fornalha do sol que se afunda no oceano.
E o silêncio cai, molda-se aos espaços vazios,
Entre nós, entre as palavras esparsas, na sua ausência, sempre.
Podia apontar-te o movimento ascendente da lua e o mergulhar dos pássaros atrás dos
prédios,
Mas isso seria abrir mais espaço que teria de preencher,
E eu não conheço o idioma e os costumes deste degredo,
Deste canto que me apontas e aprisionas, o dedo em riste que sentencia o fim das
coisas.
Condenado ao inferno, não recuso
o prazer (o teu),
a morte (a minha),
o fim (do dia)
fugir (de volta à minha cidade)
acordar (não ter mais sono).

segunda-feira, dezembro 26, 2011

II

Suspiro nos compassos intermitentes dos risos, por vezes, demasiadas vezes,
aturdido no furacão que fustiga a tua, a nossa, aproximação.
Será esta a minha sôfrega ardência ou a loucura descontrolada que nos abraça e sufoca?
São as minhas, as tuas, as outras palavras, as próximas,
ensurdecedores pactos de silêncio, que nos aprisionam na decadência obscena dos sentimentos mais obscuros?
São desejos que soletramos,
que segredam a verdade inesperada da angústia, são medos,
águas mortas onde não chove, mordaças de silêncio infecto.
Somos tristes, caducos, arruinados.
Estamos despidos e desferimos golpes sem misericórdia, sem vergonha, sem limite.
Fujo de ti na certeza de que não te posso escapar.
Observas-me. De longe.
Excitada por saberes que me fazes mais homem.
A minha língua limpa,
sedenta, salpicos de sangue e saliva. Não sei se em ti, ou em mim.

IV

A tua boca declara guerra,
De língua desembainhada, sentencia a morte de todos os beijos,
Irreversíveis os que perdemos, eternos os que prometemos, mortos os que lastimamos.
A paixão persegue-me sem quartel,...
E nada mais me resta que viver estropiado,
Quando nada mais se move no tempo que empresto, no amor que hipoteco,
Perdido o sustento ou o ofício de amar.
Que faço amanhã,
Se a renda que há meses não pago deixa o coração livre para novos inquilinos,
Desconhecidos, outros que não nós?
Estou despido, fugindo do relento, procurando lugares escondidos dentro de nós.
Lambo as marcas da carne ferida.
Não aprendi a evitar a tua pele de arame farpado.
Mas outra coisa não sei, cativo me declaro e rendo,
Revelo-te os segredos, o sexo na minha roupa.
Beija-me ou mata-me. Sem remédio, sem desculpas, esta noite extingo-me na tua cama.

quinta-feira, novembro 10, 2011



Sei de um lugar (coração)



Ouvi dizer que existe,

um lugar escondido,

sussuro viajante, errando,

em constante e solene poente.


Sei de um coração,

triste,

perecendo em todos os males,

perseguindo naufrágios,

enganando a morte e a grandeza.



Chega-me um perfume de cravos, livros fechados, páginas que mortas cantam,

brisas amainando nas colinas,

súplicas, invejas, enganos.



Mas nesse lugar,

toda a luz é um grito,

todo o vinho é sagrado, todo o sangue renasce,

toda a palavra rasga, alastra,

dorme no mar,

imenso.



Nessa morada, a noite é curta e quente,

e a certeza, a nobreza, são mundo e glória,

e a força é estrada, é sopro, é víscera.



Sou de uma casa, de uma ideia que não termina

que avança no tempo,

que detém e contempla a todo o momento,

é alguém e toda a verdade, terrena e divina.



Sei de um coração que não cessa de bater,

belo, entontecido como o meu,

no meu.

sábado, novembro 05, 2011

Libertação (3 actos)

III - Inspira (libertação)

Tenho o poder.
Ser feliz em toda parte,
Apesar de tudo, por todos,
Inspirar a rua, as pessoas no mundo,
Quebrar e refazer o espírito,
Crescer a voz, em oração.
Eu sou.
Sou o sabor do meu nome,
Sal e vento, tempestade perfeita,
Sonho, devaneio,
Aresta inconformada que rasga o silêncio,
Mãos que interrogam, palavras insubmissas.
Mudo, liberto, guardo, arrependo-me, grito.

Escrevo o dia seguinte Amanhã.

*
O mundo suspende-se na doçura da descoberta,
Do que guardas, dizes e estendes pela minha tentação,
Do que desconheço e das palavras afiadas em limão que já partiram,
Ardendo até onde nos podemos conhecer e extinguir.

És um poema obstinado e lúcido.

Admiramos ondas que ainda não nasceram.



“ A noite desce, o calor soçobra um pouco,
Estou lúcido como se nunca tivesse pensado
E tivesse raiz, ligação direta com a terra”
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Libertação (3 actos)

II - Sangue e tudo (revolta)‎

És mais morte e sangue,
Coração esmagado, dorido, meu amor traído,
Finalmente tingido,
Escrito, nas paredes, corpo gasto, uma e outra vez,
Na voz que se arrasta, mel rubro, veneno,
Lambe sôfrega, violenta, sentida, perdida, liberta,
Vagando, voando,
Grita a tua maldição, outra tentação, a minha e a tua,
O ódio que nos agarra,
O inferno, o avesso, o medo, a fúria.

És morte e sangue e tudo.
Libertação (3 actos)



I – Etílico (adormecido)

Escuto o álcool correr.
As janelas e a música
Chamam cidade suja, delirante,
Adiam a minha descida à madrugada,
Aos prazeres idílicos e voláteis,
Que, lentamente, mordem as horas,
Que adormecem as dores,
Lapidam a poesia constante das noites intermináveis.
As palavras, os medos os risos e os azares,
Examinam cada rosto apressado que tropeça na calçada,
Interrogando cada pessoa que atravessa o Bairro Alto
Que se repetem a cada trago, a ausência e o esquecimento.
Mais um coração bate,
E outro amor dissolve-se em vários copos,
Evapora-se ébrio
Num perfume etílico, eminente, inesgotável.

sábado, setembro 11, 2010

quinta-feira, março 26, 2009


Todos os poemas de Madrid

Todos os poemas podem ser instantes,
Noites que se desfazem depressa,
Vozes que se pensam perdidas e que se encontram sem saber,
Encontros fugazes, insinuações inconscientes,
Nos outros pólos de atracção e repulsa,
Nos caminhos, nas canções,
Nos olhares que não se cruzam.

A poesia das coisas que se escondem,
Que se inventam,
Que se perdem por querer,
Mergulhando no calor das cidades,
No prazer da descoberta dos recantos do teu corpo,
Nos medos, na inquietude,
Vive profusa, esparsa e fugidia,
Em estado de eterna, entusiasmada, prontidão.


É a impaciência que despeja a tinta em forma de palavras,
É o silêncio que desperta os sonhos e a fuga,
O desterro dos sentimentos indecifráveis ou mais banais,
É a cidade, esta, que trago colada sem conseguir arrancar,
Sem lembrar as perguntas e as respostas,
Na tormenta dos amores guerreiros.

O sol aquece as ruas sem luar, as mãos, os corações enfeitiçados e
Repletos de gente e poemas ao acaso.

terça-feira, março 24, 2009


Corpo amargo

O corpo deitado, respira as memórias de ontem
- E as outras, que agora imagino -
Silencioso, seguindo a corrente e os barcos ao fundo, a luz
Que se extingue no tempo escuro,
Esgueirando-se nos sonhos.

A música ofegante da madrugada some-se com as vagas,
Viaja nos sussurros da cumplicidade
Até aos portos escondidos da tua alma,
Envolta em neblina e no amargo do medo.

Estremece-nos a pele e a inquietude do corpo,
Afogados no ruído ofegante,
Ressoando, desaparecendo
Subitamente
Já distante, adormeces.

Interrogo-me, sem que saiba, na verdade, o que devo perguntar-te.



“As mãos com que te toco, luminoso afogado, não são verdadeiras nem reais - porque o tempo todo talvez esteja onde existimos.”
Al Berto, O Medo

quinta-feira, março 12, 2009



Arco das Portas do Mar

A noite finda, exausta e com medo
Acordamos mergulhando no oceano,
Na maré da manhã que nos arrebata da frieza das pedras,
Dos corpos fundidos com o imenso que finda e se inicia
Sempre que agarramos e cruzamos o céu e a almas,
Quando nos fazemos corpos celestes em fogo e cadentes,
Como palha desfazendo-se na chuva,
Inundando tudo o que contemplamos por inteiro, infinitos
A lua, o mar e a espuma que se quebram e soltam na correnteza,
Confidentes dos segredos que se guardam sobre o arco
Nas portas do mundo.


“A porta do mar, na qual penetram as ondas pela maré cheia, e vêm, numa altura de três braças, bater contra a muralha.”
Al-Himyari, Kitab-Rawd Al-Mitar, sobre a Cerca Moura de Lisboa
Traduzido por António Borges

sexta-feira, fevereiro 27, 2009


Bairro (alto)


Renovam-se, multiplicam-se, incessantes, irresistíveis,
Os planos para a noite, para arrumar o mundo,
Os loucos e perfeitos movimentos, moribundos,
As artimanhas e conjecturas, sortilégios,
As fugas, amores e beijos roubados, tesão,
As lutas, desejo e inquietude, a devassa, tu,
Os prazeres escondidos, proibidos, adorados em surdina,
As paredes que transpiram,
As companhias, estranhos equívocos, revelações,
Palcos improvisados,
As torrentes de vozes, subindo, morrendo, ressurgindo,
As portas abertas, peitos escancarados, ao alto,
As luzes pardas,
As noites e dias seguidos em rotineiro e excitado sobressalto,

O Bairro,
A cidade que se interrompe, por meros instantes, quando amanhece.
Até já.

quarta-feira, fevereiro 18, 2009


Cais das mil colunas (infinito)

O silêncio apodrece na areia suja,
Perde-se nos poemas e artifícios do tempo
Ateado nas ondas despedaças no cais,
Feridas nos sublimes avanços das marés.

Singram as palavras no rio,
Aportam os dedos na tua boca,
Os beijos ancorados no cais,
Apontando ao céu
E ao mar adiante, infinito,
Entrando na cidade, vestida de travessias
E luz de fim de dia.

sexta-feira, fevereiro 13, 2009


Lisboa para amantes


Ninguém soube dizer-me
Quem foste tu.

Não se podem fingir as partidas,
Esconder feridas com golpes
Ter amigos e amantes e pecados inconfessáveis,
Promessas sobre tudo o mais que não se pode dar,
Esquecer tudo o que se fez e se faz e insiste,
Trilhar os mesmos bairros que descobrimos por nós
Em ruas traçadas a descuido,
Sozinhos, a sós com desejos nocturnos intermitentes
E não perguntar: quem és tu?

A paixão chama-se sangrando no coração,
Gritar verbos que ardem no sofá aberto à rua,
Incessante,
Transbordar as margens, com o rio, as inconstâncias da razão,
Correr o sonho, sôfrego
Nos instantes que nos atordoam.

Fomos docas mansas, portos de abrigo cheios de adeus,
Brilhámos longe,
Acesos pela lua que nos vigiava,
Procurando saber quem queríamos ser, nós.

Somos sombras e beijos ditados pela cidade,
O veludo da nudez,
Das praças vazias amanhecendo com a luz.



“Encheram profunda taça e envolveram-se em fervor. Ficou-lhes na boca — presa ao crescente desejo de mais beberem, de mais conhecerem — o sabor da outra Vida maior, onde os levara o ensejo de ultrapassarem a carne. (…)”António Salvado, in "Difícil Passagem"

sábado, janeiro 17, 2009


Na 3.ª Edição da Revista Volte-Face, fotografia, design, intervenções e poesia.
Textos de Daniel Costa-Lourenço e Pedro Peralta

quarta-feira, dezembro 31, 2008


O dia seguinte

No último dia prometo,
Sem angústias e sem pressas,
Alcançar cada instante,
Proteger-me das feridas,
Do choro arrependido,
Dos suspiros inquietos e intermitentes.

Que tudo seja claridade e lucidez,
As palavras sejam simples mas saciem, sem remédio,
O fluxo e o refluxo das vontades escondidas,
Deixem marcas de fúria e desejo,
Indeléveis ao esvair do tempo,
Inconsequente, incontrolável, irresistível,
Como o mar que se aproxima e inunda todos os medos,
Do cais à minha janela.


Passa, lento vapor, passa e não fiques... Passa de mim, passa da minha vista, Vai-te de dentro do meu coração, Perde-te no Longe, no Longe, bruma de Deus, Perde-te, segue o teu destino e deixa-me... Eu quem sou para que chore e interrogue? Eu quem sou para que te fale e te ame? Eu quem sou para que me perturbe ver-te? Larga do cais, cresce o sol, ergue-se ouro, Luzem os telhados dos edifícios do cais, Todo o lado de cá da cidade brilha...

In “Ode Marítima”Álvaro de Campos, in "Poemas"

quinta-feira, novembro 13, 2008


Conversa (improvável)


Fugaz, disfarce, espreita,
Áspera, nudez, incendeia,
Impulsivo, estoiro, queima,
Distinta vagueação dilacera,
Irremediável, ideia acontece,
Casual palavra, corrói,
Lúcido gesto, confunde,
Ávido conquistador ama,
Funesto amor cansa,
Sereno, lugar, existe,
Inútil espera, desespera,
Frágil boca, entontece,
Doce mágoa, arranca,
Agreste, voz, desperta.



”Emboscado en mi escritura
cantas em mi poema.R
ehén de tu dulce voz
petrificada en mi memoria.
Pájaro asido a tu fuga.
Aire tatuado por un ausente.
Reloj que late conmigo
para que nunca despierte.”
”Tu Voz” de Alejandra Pizarnik In
"La extracción de la piedrade la locura. Otros poemas.".

Devolveste-me

…um imutável silêncio
Mil monólogos sem resposta ou
Mostra de vida
…o tempo cativo
Partidas pelo mundo
E certezas conquistadas ao amor
Logo perdidas, descomprometidas
Irreparáveis deslizes de heróis principiantes
…a procura da voz por dentro
Sem verso ou anverso
Entornando poemas e sortilégios
Para lá dos muros da cidade.




“Tua voz no lacerar irreparável da tarde,
é como um gesto que arde
no fogo lento do canto...”
Ulisses Duarte, In "Poetaneamente"
*

“Devolveste-me os Cafés
cheios de gente que afinalexiste
Devolveste-me o tampo liso das mesas
sua lúcida certezade estar só”
Teresa Rita Lopes, Primeiro Poema do Amor Difícil
In"Os dedos os dias as palavras".

*

“Há quem quase tristemente nos deseje boa sorte.Mas a cidade alastra para além destes gestos.
Multiplica-se em rails e deflagrações de rolas.
Crispa-se em vaga-rosa e surda duração.”
Mário Cláudio In "Terra Sigilata".

quarta-feira, novembro 05, 2008

Cumprir o mundo

Mudou o sopro do tempo,
Quando lento é o tempo da mudança,
Quando os dias são esquecimento e cansaço,
As dúvidas são do medo e tédio.

Irrompe em chama no coração
A dor que é cumprir o mundo,
A inevitabilidade de amanhã ser mais,
Não ansiar por dias distantes.

E o mar avança pelo céu e pela terra
Cada dia, todos os dias,
Salgado e amargo, revolto,
Seguindo rumos e outras partidas,
Palavras minguantes, de pedra e amor.

E o vento sopra sempre em todas as direcções do tempo.

*


”Mas num dia amargo, num dia distante sentirei a raiva de não estender as mãos de não erguer as asas da renovação.” Pablo Neruda, in “Cadernos de Temuco”Tradução de Albano Martins


*
“Todo o mundo é composto de mudança”
Luís de Camões, in “Poesia Lírica” - “Mudam-se os tempos”


sexta-feira, outubro 17, 2008

Escondido (no tempo)

Esconde-se na tua pele
A noite eterna,
O medo frio de não chegar,
De não me lembrar a que sabem os dias a meio do mês
E as horas fora d’horas,
Os prazeres sofridos da culpa e da ambição
Como foragidos
Mergulhando, impossíveis, conscientes,
Definhando,
Sem terra nem chão, nem coração.

segunda-feira, agosto 25, 2008


Paredes

À volta são só paredes,
Olhos sem cor,
Perdidos na manhã que se desmorona
Em pesado silêncio,
Consumindo-se,
Por cada ruído de outro mundo,
Num indelével crepitar da despedida,
Em encontros casuais com o abismo do esquecimento,
Esperando em cada sombra
O espanto mudo e imperturbável das palavras
Escapando-se das janelas escancaradas sobre a cidade.


imagem: semanário "sol" 25/8/2008
incêndio do Chiado - 25/8/1988

quinta-feira, agosto 14, 2008



Embarcando

Os dias abandonam-se vagarosos
Espiando as velas perdidas no mar,
Sem nome, nem medos, nem porto,
Embarcando sempre ao longe,
Recusando palavras ou atenções,
Temendo acordar febris e adormecer
Sabendo por quem chamar.

Nada mais se ouve.

Estico os pés sobre a água,
A beira-mar limpando a saliva e a espuma das pedras,
E esqueço-me da certeza do regresso, da sorte
Dos enganos que não revelo serem meus.
(Therasia - Grécia)

terça-feira, agosto 12, 2008


Crepúsculo

Ébrios,
Sossegamos ao crepúsculo
Emudecidos,
Escrevendo a café e silêncio,
O temor e a surpresa,
A aceitação da eternidade,
Os instantes sem distância,
Depois de nós e de todos e o mar, sem horizonte,
Dormindo sobre as palavras,
Dançando sobre o amor,
Rindo sobre o calor despertado, que irrompe
E se desfaz,
Todos os dias,
Finito, como nós.


“(…)baila, con el corazón apuñalado, cantay ríe porque la herida es danza y sonrisa,(…)”
in La Bailarina Apuñalada de Nazik Almalaika
– traduzido por Maria Lucia Prieto.)

(Thira - Santorini - Grécia)



sexta-feira, agosto 08, 2008


Perto do mar


As sombras da felicidade escorrem apressadas
Nas esquinas brancas, escondidas, adivinhando,
Despertadas pelas cigarras em sentinela,
Assobiando ao calor,
Ao mundo, levantado na ponta dos pés
Perto da porta, do mar,
Ao lado da janela
Onde o sol chega até metade a esta hora,
E as horas da tarde são para sempre…
Thira (Santorini - Grécia)

quinta-feira, julho 17, 2008


Palavras inteiras

O céu suspende-se
Nas constelações de palavras que crescem, voam
Nas velas, nas redes, nos sons da respiração silenciosa,
Sustendo-se numa garrafa deitada no mar.

Inesperados caminhos, estes,
Perfumes ocultos na luz imprecisa, inesperada, sublime do Egeu
Onde tudo é um princípio ardente,
Uma história sem regresso,
Uma lua rara e um amor inteiro.

Tudo se precipita no abismo,
Com ardor, crepitando nos instantes do meio-dia,
Esperando a reconciliação da noite,
Do anúncio da sombra espessa e abundante,
Do universo encontrando o seu lugar.



Imerovigli (Santorini - Grécia)