sexta-feira, maio 04, 2012

Não consigo escrever

Não consigo escrever. As palavras são pequenos sopros rasgados e indecifráveis. O amor, o ódio, o medo, a esperança, a dor, todas as fraquezas empurrei-as para bem fundo, longe, onde não as posso ver. Para onde julgo que podem não existir. Por momentos somos mudos. A escuridão é calma e reconfortante.


Tenho tanto dentro de mim e tão pouco sei o que é. Rebento e alucino, confundo-me, luto, resisto, prosto-me perante as evidências e os sonhos e o ritmo implacável do tempo. A consciência da minha finitude deixa-me apenas a gestão corrente dos minutos que se sucedem à espera de qualquer coisa que não acontece. Não sei se luto contra impossibilidades ou limitações, inatas ou impostas, conscientes e implacáveis.
Sei que não consigo escrever. As palavras falam, alto, ganham vida e a cor do veneno que me ensopa, afoga, cega. A emoção toma o lugar da razão e é a razão que o diz. Não consigo escrever, não consigo amar, não consigo ver e no entanto quero tudo isso e quero escrevê-lo, exorcizá-lo, sentir.


É à noite que o medo se dissipa. É na noite que me comprometo e comprometo o dia de amanhã. Tão depressa e tão fácil, tão rápido.


Não consigo escrever porque o mundo às vezes é mais veloz, mais cruel, mais necessário, mais sincero. E eu não sei ser mais eu do que sempre sou, trair o que me permito sentir.


Por vezes, tantas vezes, não se abandona o que se possui, mesmo que tudo ou nada se saiba do que não nos pertence.