sexta-feira, novembro 19, 2004


Aguaceiros



O empedrado gasto da rua reflecte os primeiros aguaceiros deste Inverno,
fechamos os olhos e corremos a rua sem ver os semáforos, como se por um acaso, a chuva já não nos tocasse.
O correr lento da avenida muito pouco marginal, onde o rio já não se vê entre o amontoado de contentores, de dormência inultrapassável, adia mais um dia que não pode ser adiado.
E tu, como o mar que não vejo há meses, um verão que para mim há muito passou, desenhas a tua ausência na condensação do vidro, refazendo a imagem do mundo longínquo que ainda há pouco tive na mão.
Um longo Inverno de Agosto, implacavelmente segurando-me por dentro, conduzindo-me ao que insisto não aceitar e ao que tu insistes em procurar.
A inevitabilidade de todos os dias cortar a crueza das ondas, tentando adiar um dia que não pode ser adiado e pisar esta cidade que apenas vejo de longe, à distância de uma janela aberta sobre um dia de sol.
Vem comigo, vamos sair agora, aqui, para lugar nenhum, finalmente entrar na cidade dos dias que têm de acontecer todos os dias e traçar a nossa rota de pretensa rebeldia, entre as pedras soltas do passeio e os destroços da beira-rio.
*
A maré baixa da doca deserta escondia o rumor da avenida atrás dos armazéns e o dia sempre adiado abriu-se com os primeiros raios de sol de que me lembrava.

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