quarta-feira, julho 07, 2004


A calma de antes

Solto frágil e insano.
Sobre as cinzas do silêncio e do embraraço.
A cobiça de vários pecados
De mitos e ideias escritos à mão.

Encontro sobre a chuva torrencial
Os últimos degraus de sombra entediante
De luz escoando-se no cansaço:
De te ver e te querer
De te querer e não te ter
De mais desejar...além de ti.

Antes da porta que se fecha com força,
Tocando seguro o ímpeto de amar no último dia do mundo
Bocejo...

A calma de antes...

Cantado em italiano

Passou a rápida busca de caminhos,
Os dias e as deambulações são outros:
Refúgio e abandono
Sem luminosas errâncias
Tentando voar com uma só asa
Sobre um jardim de urtigas
Sem a grandeza do mar aberto...

Último dia do mediterrâneo

Só à primeira vista estranha,
A lucidez demente de um elogio funebre,
Ecoando na nudez do espaço vazio
Do meu corpo desamparado,
Onde tudo o resto é silêncio

A dor arpoada no peito,
Um Dó menor do mundo que acaba,
Esperando um pôr do sol eterno que incendeie por dentro.

É um acto de fé aceitar a morte,
Como que uma redenção preversa à crueldade:
De desaparecer num dia como este, sem brilho, sem luz,
Sem nada para fazer, admirando a tristeza do verão,
As águas estivais descendo pela janela,
Acordando o inverno.

Adormecer,
Sem a ansiedade de ser poeta.

Sem pressas

“O momento perfeito para Deus é aquele em que cada pessoa compreende que não precisa de Deus”
Donald Walsch


O beco não tem saída
mas a mão solta inabalável o incenso
em redor da memória
como notas de música tibuteantes
a alquimia em slow motion de eucalipto
misturando-se no ar das colinas suspensas
em paz.
O silêncio do instinto para amar
como o inquietante redizer de uma palavra
estranhando e entranhando a intimidade
suspensa com a respiração
junto ao mar.

O mar que se adivinha

“(..)és o corpo a que voltar
será talvez como morrer no mar”
Gastão Cruz, “Repercussão”


Fogem as sombras e os risos no estio interminável do sul
O suor e as curvas que luz desenha
Em finas e intermitentes linhas de horizonte
O mar que se adivinha na aridez de palavras
No reflexo dos lábios humedecidos outra vez
O testemunho silencioso de um tronco solitário
Marcando a diferença da ausência dela
De súbito avistada como um beijo roubado
E gralhas rasando as rochas e as searas
Olhos desamparados no rompante de botões saltando
Pele sobre pele
As marcas da terra no corpo que descansa atordoado
O vento que toca como água
Lavando o embaraço dos calores
Escorrendo e logo secando
Na estepe alentejana.

A noite que foge encontra abrigo em ti

A noite que foge em silêncio encontra abrigo em ti
Aninhada nas ténues esperanças de regressar
Ao mundo das vozes e mentiras que teimo em não ignorar
Neste dia que nunca acabou
Mesmo quando tudo havia terminado ao arrepio do acordado
O sabor da laranja amarga que trazes nos lábios
Recorda a acidez que havíamos esquecido
De cada vez que falávamos
De nós
No calor das intermináveis noites de Verão
Que já não era o mesmo
Porque mais intenso
Sem risos de água corrente
Esquecida a limpidez dos sentimentos
A sinceridade das palavras fulgurantes inventadas
Preenchendo silêncios e venenos sem antídoto
Nesta separação que inventámos e desejámos
Apagando os dias transformados em noites
Adivinhando as tuas horas e as minhas
Debruçados na varanda dos dois lados da rua
Olhando um para o outro.