quinta-feira, março 26, 2009


Todos os poemas de Madrid

Todos os poemas podem ser instantes,
Noites que se desfazem depressa,
Vozes que se pensam perdidas e que se encontram sem saber,
Encontros fugazes, insinuações inconscientes,
Nos outros pólos de atracção e repulsa,
Nos caminhos, nas canções,
Nos olhares que não se cruzam.

A poesia das coisas que se escondem,
Que se inventam,
Que se perdem por querer,
Mergulhando no calor das cidades,
No prazer da descoberta dos recantos do teu corpo,
Nos medos, na inquietude,
Vive profusa, esparsa e fugidia,
Em estado de eterna, entusiasmada, prontidão.


É a impaciência que despeja a tinta em forma de palavras,
É o silêncio que desperta os sonhos e a fuga,
O desterro dos sentimentos indecifráveis ou mais banais,
É a cidade, esta, que trago colada sem conseguir arrancar,
Sem lembrar as perguntas e as respostas,
Na tormenta dos amores guerreiros.

O sol aquece as ruas sem luar, as mãos, os corações enfeitiçados e
Repletos de gente e poemas ao acaso.

terça-feira, março 24, 2009


Corpo amargo

O corpo deitado, respira as memórias de ontem
- E as outras, que agora imagino -
Silencioso, seguindo a corrente e os barcos ao fundo, a luz
Que se extingue no tempo escuro,
Esgueirando-se nos sonhos.

A música ofegante da madrugada some-se com as vagas,
Viaja nos sussurros da cumplicidade
Até aos portos escondidos da tua alma,
Envolta em neblina e no amargo do medo.

Estremece-nos a pele e a inquietude do corpo,
Afogados no ruído ofegante,
Ressoando, desaparecendo
Subitamente
Já distante, adormeces.

Interrogo-me, sem que saiba, na verdade, o que devo perguntar-te.



“As mãos com que te toco, luminoso afogado, não são verdadeiras nem reais - porque o tempo todo talvez esteja onde existimos.”
Al Berto, O Medo

quinta-feira, março 12, 2009



Arco das Portas do Mar

A noite finda, exausta e com medo
Acordamos mergulhando no oceano,
Na maré da manhã que nos arrebata da frieza das pedras,
Dos corpos fundidos com o imenso que finda e se inicia
Sempre que agarramos e cruzamos o céu e a almas,
Quando nos fazemos corpos celestes em fogo e cadentes,
Como palha desfazendo-se na chuva,
Inundando tudo o que contemplamos por inteiro, infinitos
A lua, o mar e a espuma que se quebram e soltam na correnteza,
Confidentes dos segredos que se guardam sobre o arco
Nas portas do mundo.


“A porta do mar, na qual penetram as ondas pela maré cheia, e vêm, numa altura de três braças, bater contra a muralha.”
Al-Himyari, Kitab-Rawd Al-Mitar, sobre a Cerca Moura de Lisboa
Traduzido por António Borges

sexta-feira, fevereiro 27, 2009


Bairro (alto)


Renovam-se, multiplicam-se, incessantes, irresistíveis,
Os planos para a noite, para arrumar o mundo,
Os loucos e perfeitos movimentos, moribundos,
As artimanhas e conjecturas, sortilégios,
As fugas, amores e beijos roubados, tesão,
As lutas, desejo e inquietude, a devassa, tu,
Os prazeres escondidos, proibidos, adorados em surdina,
As paredes que transpiram,
As companhias, estranhos equívocos, revelações,
Palcos improvisados,
As torrentes de vozes, subindo, morrendo, ressurgindo,
As portas abertas, peitos escancarados, ao alto,
As luzes pardas,
As noites e dias seguidos em rotineiro e excitado sobressalto,

O Bairro,
A cidade que se interrompe, por meros instantes, quando amanhece.
Até já.

quarta-feira, fevereiro 18, 2009


Cais das mil colunas (infinito)

O silêncio apodrece na areia suja,
Perde-se nos poemas e artifícios do tempo
Ateado nas ondas despedaças no cais,
Feridas nos sublimes avanços das marés.

Singram as palavras no rio,
Aportam os dedos na tua boca,
Os beijos ancorados no cais,
Apontando ao céu
E ao mar adiante, infinito,
Entrando na cidade, vestida de travessias
E luz de fim de dia.

sexta-feira, fevereiro 13, 2009


Lisboa para amantes


Ninguém soube dizer-me
Quem foste tu.

Não se podem fingir as partidas,
Esconder feridas com golpes
Ter amigos e amantes e pecados inconfessáveis,
Promessas sobre tudo o mais que não se pode dar,
Esquecer tudo o que se fez e se faz e insiste,
Trilhar os mesmos bairros que descobrimos por nós
Em ruas traçadas a descuido,
Sozinhos, a sós com desejos nocturnos intermitentes
E não perguntar: quem és tu?

A paixão chama-se sangrando no coração,
Gritar verbos que ardem no sofá aberto à rua,
Incessante,
Transbordar as margens, com o rio, as inconstâncias da razão,
Correr o sonho, sôfrego
Nos instantes que nos atordoam.

Fomos docas mansas, portos de abrigo cheios de adeus,
Brilhámos longe,
Acesos pela lua que nos vigiava,
Procurando saber quem queríamos ser, nós.

Somos sombras e beijos ditados pela cidade,
O veludo da nudez,
Das praças vazias amanhecendo com a luz.



“Encheram profunda taça e envolveram-se em fervor. Ficou-lhes na boca — presa ao crescente desejo de mais beberem, de mais conhecerem — o sabor da outra Vida maior, onde os levara o ensejo de ultrapassarem a carne. (…)”António Salvado, in "Difícil Passagem"

sábado, janeiro 17, 2009


Na 3.ª Edição da Revista Volte-Face, fotografia, design, intervenções e poesia.
Textos de Daniel Costa-Lourenço e Pedro Peralta