sexta-feira, outubro 28, 2005



A noite segue adiante

A noite segue adiante
Numa voz quebrada,
Singrando nomes esquecidos
Em vão desespero,
Demorando-se no vício do tempo,
Vagabundeando,
Passos adormecidos que se apagam devagar,
Sentidos que se ocultam
Pressentindo sossegos e excessos.

Ficam as sombras das travessias, devassadas,
Rastos de travo a sal,
Rotinas amarradas ao cais,
Como alicerces da cidade.

Já não faz sentido o que deixou de fazer sentido.

quinta-feira, outubro 27, 2005



Segunda circular


É quase pecaminoso
Vestir e despir em voz baixa
Como um corpo que se desloca e cai
Numa expiação despudorada, acordar
Ontem e hoje e todos os dias
Sofrendo garganta abaixo
Impressões vagas de confusão
A cidade correndo frente à minha janela
Corroendo-se em movimentos sujos
De uma segunda circular sem ruídos de paixão
Esquecidas as rectas que devorámos
Como criaturas à solta, electricidade fulgurante
Demónios,
Em balanços viciantes
Desordem pura.

A manhã é a prova do delito
Como uma imensa espiritualidade
Um prova diária de auto flagelação
Esquecimento inflingido do meu prazer
Um ritual carmim, purpura, escarlate
De palavras resgatadas e sexo carnal
Esquecidas as pulsações dos corpos
Largadas as amarras dos gemidos e do silêncio

Já amanheceu e já não existes.
Não mintas.
Fui mais um conhecido amante
Bolor na escuridão
Entregando-se à realidade.

Chove como há muito não acontecia.
Já esperava que não doesse tanto.

sexta-feira, outubro 21, 2005



Azul Sonoro
por Pedro Peralta

Para o meu amigo daniel costa-lourenço



azul sonoro (celeste)
paladar marítimo:
sal pele toque (brandura)
também o céu
a escuridão luzidia
denominada céu
desce à terra que o sustêm
e irrompe
pela mais fina fissura do dia
o cidadão comum : a luz inteira (suspensa)
a vertigem do crepúsculo
a deambular em todas as horas
e em todas as vozes (e é silêncio
o ruído que se ouve.
e houve, e há
rostos olvidando
uma cidade por rasgar
corpos velozes
e há, o azul depois)


Cidade escura

A minha bagagem vai sempre cheia
De gaivotas expulsas pelo vento
Presenças que se empurram borda fora,
À beira da cidade escondida na tempestade
Regurgitando tirania, de me prender onde não quero
Apagando todos os cigarros que acendo
Retirando-me com ousadia os prazeres que me restam.

Tudo o que tenho é inútil,
Espalha-se no rasto do lixo das ruas mais estreitas,
Soturno coração que insiste em não morrer,
Eterniza-se nos escritos que deixas
Quando amanhece,
Quando a mar cresce sobre as silhuetas adormecidas da noite,
Também as nossas, brisas
Que se cruzam aleatoriamente no mesmo local,
Insistem em despertar juntas, no mesmo impulso.

Tu és, a minha...
Ousadia dos meus vícios,
A luz que guardo no peito,
A luz que me entra no peito,
A fuga apressada das horas,
A minha babel de afectos...

Tu és, a minha cidade escura
Que me expulsa e me prende, com o mesmo encanto,
A luxúria de desejar nada mais do que isso,
Do que te ter,
Mesmo em todas as coisas que não tenho nem vejo,
Escondidas,
Como néon reanimando-se na noite.

terça-feira, outubro 11, 2005


Amor amargo sabor

Acendo um fogo nos dedos,
Sobre papeis amarrotados e alisados,
No silêncio
Gravado na pele,
Segredos abertos nas feridas
Riscadas em néon,
Odiando quem deveria amar.
Mas,
Há muito que a luz que as palavras têm
O sabor que derramas,
Que transportas agora,
Como travo a pó, que se entranha
E ainda não pousou,
Mas rodeia-me
Como vento torneando o corpo,
Deixando incólume o fogo que acendi.

E segue ardendo
Como nenhuma paixão.