Paris no próximo mês
Como seria Paris no próximo mês
Dois meses depois da última viagem?
Dois anos naquele bairro
Vinte anos de cá para lá da cidade
Vendo o Tejo ao fundo, desde sempre.
Em minutos de sonolência
Horas de calor no carro fechado
E tu, amando e voando em Goa
Sem saudades nem pressa de voltar.
O comboio na marginal leva-me ao oriente
Em instantes de vontade
Esquecendo o barulho
Confundido tanta gente.
O último charro já não sabe a nada que não tenha dito
Nem provado, a coca, em círculos
Aprendi contigo, o enfado das rectas
Á distância de um telefonema
Numa hora de conta para pagar
O mapa da Europa para entender.
Uma missa diária da tua ciência
Infalível, comprovada e demonstrada
Oferece o milagre
Mantém-me vivo.
sexta-feira, setembro 19, 2003
Juro que não te quero ver
Mais um fotografia de Praga perdida,
No chão, deitada, sobre mim
Calada, despida, suspirando tremores
Temendo, perder-se na mesma rua.
O terceiro português suave cala-me a tarde toda
Observando as sombras mudarem de parede
E a cidade coberta de fumo
Escondendo a tua fuga apressada.
Juro que não te quero ver
Assim, como te perdi na praça de Marrakesh
Dilui-te no cheiro de tanta beleza
Refrescante e hipnótica, molhada com chá de menta.
O mar Egeu desvirginava-nos todas as manhãs
Habituámo-nos a abrirmo-nos de par em par.
Por isso, a porta, entreaberta, como sempre
Diz-te que o arrependimento não mata
Que te dispas, como eu
Que cheires o queimado da pele no quarto
Inflamável e sufocante, sem luz
A noite mais cedo num sábado de fogo distante
E de véu cobrindo os subúrbios.
Juro que não te quero ver
Mas arder com as palavras.
Mais um fotografia de Praga perdida,
No chão, deitada, sobre mim
Calada, despida, suspirando tremores
Temendo, perder-se na mesma rua.
O terceiro português suave cala-me a tarde toda
Observando as sombras mudarem de parede
E a cidade coberta de fumo
Escondendo a tua fuga apressada.
Juro que não te quero ver
Assim, como te perdi na praça de Marrakesh
Dilui-te no cheiro de tanta beleza
Refrescante e hipnótica, molhada com chá de menta.
O mar Egeu desvirginava-nos todas as manhãs
Habituámo-nos a abrirmo-nos de par em par.
Por isso, a porta, entreaberta, como sempre
Diz-te que o arrependimento não mata
Que te dispas, como eu
Que cheires o queimado da pele no quarto
Inflamável e sufocante, sem luz
A noite mais cedo num sábado de fogo distante
E de véu cobrindo os subúrbios.
Juro que não te quero ver
Mas arder com as palavras.
quarta-feira, setembro 10, 2003
O sinal sonoro
I
Ao sinal sonoro, as luzes apagam-se. Há sempre alguém que tosse. Como franco-atiradores do espírito, intrometem-se, desconcentram, odeiam o silêncio.
Há sempre alguém que chega depois, depois do sinal sonoro, das luzes se apagarem. E pede licença, como se o estrago já não estivesse feito. Desculpa por tudo, por passar à frente, por não tossir.
Há sempre alguém que fuma desesperadamente no foyer, tentando, calculadamente, tornar espontâneos os movimentos compostos, de levar à boca, um e mais outro cigarro, como se de um acto cultural se tratasse. Agitar o fumo, acenar a alguém que não se vê, lá atrás, depois da coluna, de fumo e a do teatro, para não se sentir só, para preencher o vazio que sente a seu lado.
Há sempre alguém que fica para o fim. Só fala com a personagem, porque do nome do actor não se lembra, mas assegura a sua amizade e admiração eternas.
Incomoda-me que as luzes se apaguem e o sinal sonoro não me deixa ouvir o que os teus olhos têm para dizer, o teu corpo para fazer. Incomoda-me que não te possa beijar no escuro, deixando-me espaço para te imaginar. Saber que tens a pele arrepiada, só pela proximidade. Será que tens? Será que ouves? Será que sentes? Teremos trocado o toque pelo silêncio?
II
O sinal sonoro ecoou pela estação. Uma senhora levantou-se e seguiu. Ainda consegui vê-la, acenando na janela. Consegui percebê-la dizer “ Boa sorte”.
Logo de seguida, ouvi o aviso para a minha partida. Procurei o cais de embarque, subi as escadas, degrau a degrau, sem olhar para trás. Percorri a carruagem até não poder andar mais, até ao fim. Com o comboio em movimento segui os carris até á Gare do Oriente, até se transformar num ponto luminoso no horizonte possível, extinguido-se suavemente, enquanto os solavancos se confundiam e acompanhavam as batidas do coração.
Abri a janela e soltei as fotografias, uma a uma, os textos, um a um, para pudessem voar sem se tocar, sem se aproximarem, sem se trocarem, para que perdessem o sentido. E uma a uma, um a um, voaram, pousaram, longe, para lá de mim, para lá de qualquer coisa que eu pudesse identificar.
Encostei-me ao banco. A altura da janela permitia-me acompanhar a corrida das arvores, das casas, das planícies do outro lado do Tejo. Fugia o tempo, que ficava para trás, rápido e insensivelmente neutro, sem deixar marcas ou saudade, em silêncio, sem sinais de nada. Não ouvi mais o sinal.
I
Ao sinal sonoro, as luzes apagam-se. Há sempre alguém que tosse. Como franco-atiradores do espírito, intrometem-se, desconcentram, odeiam o silêncio.
Há sempre alguém que chega depois, depois do sinal sonoro, das luzes se apagarem. E pede licença, como se o estrago já não estivesse feito. Desculpa por tudo, por passar à frente, por não tossir.
Há sempre alguém que fuma desesperadamente no foyer, tentando, calculadamente, tornar espontâneos os movimentos compostos, de levar à boca, um e mais outro cigarro, como se de um acto cultural se tratasse. Agitar o fumo, acenar a alguém que não se vê, lá atrás, depois da coluna, de fumo e a do teatro, para não se sentir só, para preencher o vazio que sente a seu lado.
Há sempre alguém que fica para o fim. Só fala com a personagem, porque do nome do actor não se lembra, mas assegura a sua amizade e admiração eternas.
Incomoda-me que as luzes se apaguem e o sinal sonoro não me deixa ouvir o que os teus olhos têm para dizer, o teu corpo para fazer. Incomoda-me que não te possa beijar no escuro, deixando-me espaço para te imaginar. Saber que tens a pele arrepiada, só pela proximidade. Será que tens? Será que ouves? Será que sentes? Teremos trocado o toque pelo silêncio?
II
O sinal sonoro ecoou pela estação. Uma senhora levantou-se e seguiu. Ainda consegui vê-la, acenando na janela. Consegui percebê-la dizer “ Boa sorte”.
Logo de seguida, ouvi o aviso para a minha partida. Procurei o cais de embarque, subi as escadas, degrau a degrau, sem olhar para trás. Percorri a carruagem até não poder andar mais, até ao fim. Com o comboio em movimento segui os carris até á Gare do Oriente, até se transformar num ponto luminoso no horizonte possível, extinguido-se suavemente, enquanto os solavancos se confundiam e acompanhavam as batidas do coração.
Abri a janela e soltei as fotografias, uma a uma, os textos, um a um, para pudessem voar sem se tocar, sem se aproximarem, sem se trocarem, para que perdessem o sentido. E uma a uma, um a um, voaram, pousaram, longe, para lá de mim, para lá de qualquer coisa que eu pudesse identificar.
Encostei-me ao banco. A altura da janela permitia-me acompanhar a corrida das arvores, das casas, das planícies do outro lado do Tejo. Fugia o tempo, que ficava para trás, rápido e insensivelmente neutro, sem deixar marcas ou saudade, em silêncio, sem sinais de nada. Não ouvi mais o sinal.
sexta-feira, setembro 05, 2003
Mar da Palha
Suave mar nocturno
Doce, soturno
Na calma penumbra, silenciosa
O horizonte finito e ausente
De margens apertadas e barcos sonâmbulos
Passando em todas as janelas da cidade
Num supremo gozo de ouvirem
Sussurros dos fogos últimos
Onde há sangue que palpita
E murmúrios escondidos
Que ainda não amanheceram com as almas deste mundo
Descalças, dançando no cais
Naufragadas na brisa sem sal.
Suave mar nocturno
Doce, soturno
Na calma penumbra, silenciosa
O horizonte finito e ausente
De margens apertadas e barcos sonâmbulos
Passando em todas as janelas da cidade
Num supremo gozo de ouvirem
Sussurros dos fogos últimos
Onde há sangue que palpita
E murmúrios escondidos
Que ainda não amanheceram com as almas deste mundo
Descalças, dançando no cais
Naufragadas na brisa sem sal.
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