quinta-feira, agosto 23, 2007


Refúgio

Vive em ti outro ano mais quente que antes
Refúgio infinito do sul interminável
O encanto de sonhar para diante
A rendição ansiosa ao perfume que nos liga e nos quebra.

Permanece em ti o esconderijo
Do vento que há muito não desfralda bandeiras
Da folhagem solta no descanso
Do bramido das vozes que povoam o horizonte,
Rugindo intemporais.

Procuro em ti
A serena frescura das manhãs marítimas
Os sombrios recantos dos poemas sem sono
Onde não se dorme sem sonhar.

A terra e o céu calam-se e riem em ti.
Vejer de La Frontera - Espanha

“(...)Atravessei o jardim solitário e sem lua,
Correndo ao vento pelos caminhos fora,
Para tentar como outrora
Unir a minha alma à tua (...).
In “O jardim e a noite”
Sophia de Mello Breyner Andresen, “Cem poemas de Sophia”

terça-feira, agosto 21, 2007


Escuridão do quarto

Escondes-te de forma a que te veja,
Na camuflagem das flores nocturnas,
Com as cambiantes da luz reflectindo no lado esquerdo da parede,
Assomando à janela, com o ruído das estrelas
E dos amantes perdendo-se,
Sem olhar ao tempo que pára e acaba naqueles momentos.

Continuo acordado,
Alheio à tua interferência na cadência do universo,
Reacendendo feridas,
Indiferente aos rasgos na pele às entranhas,
Que se abrem em ferro quente,
O sangue em fios, enforcando-me,
A asfixia, o prazer de poder acabar agora mesmo,
Contigo.

Ainda te procuro no sono que volta e desaparece.
Naufragando no mundo que nos pertence e nos atormenta,
Perdido, seguindo o último cigarro que se apaga,
Testemunhando o fim dos medos,
Das imagens que devoro e apago,
Na dormência que chamo para me anestesiar.

Talvez sejas tu,
O desejo que procuro na escuridão intacta do quarto.


“Quantos desejos ficaram abandonados na escuridão intacta dos quartos...”
In “A Morte de Rimbaud” de Al Berto.

sábado, agosto 18, 2007


Disseste em belo português


Disseste em belo português,
Curto e simples,
Palavras de carne e osso,
Tacteando até encontrar um olhar.

Viajámos para trás,
Resolvemos os mistérios
Das formas fílmicas do adeus,
Entorpecidas, arrebatadas
Presas à liberdade da imaginação.

Rompe-se uma fina camada de cal,
Inocente,
O tumulto do medo ao querer
Um pouco de ti em tudo o mais.

Disseste, nada mais do que isso.